quinta-feira, julho 01, 2010

Regresso (lusófono)


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REGRESSO
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E contudo perdendo-te encontraste.
E nem deuses nem monstros nem tiranos
te puderam deter. A mim os oceanos.
E foste. E aproximaste.
Antes de ti o mar era mistério.
Tu mostraste que o mar era só mar.
Maior do que qualquer império
foi a aventura de partir e de chegar.
Mas já no mar quem fomos é estrangeiro
e já em Portugal estrangeiros somos.
Se em cada um de nós há ainda um marinheiro
vamos achar em Portugal quem nunca fomos.
De Calicute até Lisboa sobre o sal
e o Tempo. Porque é tempo de voltar
e de voltando achar em Portugal
esse país que se perdeu de mar em mar.
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[Manuel Alegre]
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Mamãe Velha, venha ouvir comigo
o bater da chuva lá no seu portão.
É um bater de amigo
que vibra dentro do meu coração.
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A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva,
que há tanto tempo não batia assim...
Ouvi dizer que a Cidade-Velha,
- a ilha toda -
Em poucos dias já virou jardim...
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Dizem que o campo se cobriu de verde,
da cor mais bela, porque é a cor da esp´rança.
Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde.
- É a tempestade que virou bonança...

Venha comigo, Mamãe Velha, venha,
recobre a força e chegue-se ao portão.
A chuva amiga já falou mantenha
e bate dentro do meu coração!
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[Amilcar Cabral]
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Regresso às fragas de onde me roubaram.
Ah! Minha serra, minha dura infância!
Como os rijos carvalhos me acenaram,
Mal eu surgi, cansado, na distância!
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Cantava cada fonte à sua porta:
O poeta voltou!
Atrás ia ficando a terra morta
Dos versos que o desterro esfarelou.
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Depois o céu abriu-se num sorriso,
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso.
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[Miguel Torga]
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