segunda-feira, março 30, 2009

Boa Poesia. Má Política


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Em Setembro de 2008, no texto ESTAÇÂO DA LIBERDADE que então publiquei no ROSTOS
referi-me ao magnífico livro de José Eduardo Agualusa - ESTAÇÃO DAS CHUVAS - que acabara de ler.
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Escrevi então que “ESTAÇÃO DAS CHUVAS é um texto doce e terno, mas também violento e brutal; radioso e optimista, mas também implacável e pessimista. Um retrato riquíssimo das relações humanas – as sérias e fraternas, as espúrias e traiçoeiras, as intolerantes e odiosas”.
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A figura de Viriato da Cruz surgira envolta em algum encanto e mistério, que me alertou e seduziu.
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Na última edição da revista LER, José Eduardo Agualusa ocupa “O lugar do Morto” [entenda-se Viriato da Cruz] e oferece-nos um interessante exercício "ficcional".
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Em “Viriato da Cruz e o poder da poesia” pode ler-se:

"Se não estivesse morto (morri em Pequim a 13 de Junho de 1973) festejaria no próximo dia 25 de Março 81 anos. Há quem ache que Angola poderia ser hoje um país muito diferente se eu não tivesse morrido tão jovem, mesmo às portas da Revolução de Abril em Portugal, e das grandes mudanças que a mesma implicou para o meu país. Sinto-me lisonjeado com tais opiniões, mas acho-as exageradas.
(…) Não me parece provável que em 1974 tivesse conseguido unir os diferentes movimentos nacionalistas angolanos. Não eu, um dos primeiros militantes do MPLA que se atreveu a contestar a liderança de Agostinho Neto e ousou romper com o partido (…)
Resumindo: vivo não teria ajudado a evitar nem a guerra civil, nem o desastrado pesadelo totalitário que em poucos anos, sob o olhar perplexo do camarada Neto, arruinou Angola (…)
A poesia deveria servir, no nosso entender, para preparar o terreno para a insurreição nacionalista (…) Acontece que, infelizmente os poemas que então produzimos estavam longe da excelência. Faltou-nos labor literário. Talvez com boa poesia pudéssemos ter obtido melhores resultados na política. Não deixei de acreditar no poder da poesia. Nem sequer na necessidade de levar a poesia ao poder (…)
Não sei quanto tempo vai levar (o que no estado em que me encontro é indiferente) mas sei que mais tarde ou mais cedo a boa poesia acabará por se impor e triunfar."
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Poema de Viriato da Cruz
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Serão de Menino
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Na noite morna, escura de breu,
enquanto na vasta sanzala do céu,
de volta das estrelas, quais fogaréus,
os anjos escutam parábolas de santos...

na noite de breu,
ao quente da voz
de suas avós,
meninos se encantam
de contos bantos...

"Era uma vez uma corça
dona de cabra sem macho...
..........................................
... Matreiro, o cágado lento
tuc... tuc... foi entrando
para o conselho animal...
("- Não tarde que ele chegou!")
Abriu a boca e falou -
deu a sentença final:
"- Não tenham medo da força!
Se o leão o alheio retém
- luta ao Mal! Vitória ao Bem!
tire-se ao leão - dê-se à corça."

Mas quando lá fora
o vento irado nas frestas chora
e ramos xuxualha de altas mulembas
e portas bambas batem em massembas
os meninos se apertam de olhos abertos:

- Eué
- É casumbi...

E a gente grande -
bem perto dali
feijão descascando para o quitende -
a gente grande com gosto ri...

Com gosto ri, porque ela diz
que o casumbi males só faz
a quem não tem amor, aos mais
seres busca, em negra noite,
essa outra voz de casumbi
essa outra voz - Felicidade...
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