segunda-feira, dezembro 08, 2008

FCB: que futuro?



Na sua magnífica crónica dominical do PÚBLICO de 7 de Dezembro de 2008, o sociólogo António Barreto referiu-se ao livro “Colapso” de Jared Diamond, recentemente editado em Portugal pela Gradiva.
Segundo o autor americano – e cito António Barreto – “há povos, países ou Estados que “escolhem” acabar, morrer ou desaparecer. Os maias, os povos da ilha de Páscoa ou das ilhas da Gronelândia e populações do Ruanda contemporâneo são alguns dos exemplos. Por várias e complexas razões, tais povos, a partir de um certo momento, desistiram e caminharam direitos para o fim. Uns fizeram tudo o que era necessário para destruir ou esgotar as bases da sua sobrevivência, outros renderam-se aos inimigos humanos ou às ameaças naturais. Podem as escolhas não ser datadas e deliberadas, mas são actos de vontade motivados, talvez não pelo desejo de morrer, mas sim pela ilusão de outra vantagem ou pela complacência com que se vive uma circunstância conhecida.”
Passando para a realidade nacional, António Barreto aflorou a crise/colapso do Parlamento, do PSD e do regime democrático. Não sem antes advertir os seus leitores: “A analogia [com as teses de Jared Diamond] pode parecer forçada. Os processos históricos demoram séculos, aqui estamos a falar de anos. Aqueles dizem respeito a povos inteiros, aqui referem-se instituições ou regimes”.

Que tem este texto introdutório a ver com uma crónica como DESPORTO À PORTUGUESA, que aqui venho regularmente publicando no ROSTOS?
À primeira vista nada. Mas na verdade tem. E muito!
É que ao ler António Barreto – a leitura de Jared Diamond ficará em lista de espera... – pensei de imediato no “meu” Futebol Clube Barreirense. Instituição de Utilidade Pública, quase centenária, assolada por uma grave e profunda crise.

Em Janeiro de 2007, em resposta a um texto poucas semanas antes publicado no JORNAL DO BARREIRO escrevi: “O Barreirense não está num marasmo ou moribundo! O Barreirense está vivo e tem futuro!”.
As minhas palavras pretenderam então reagir a uma opinião – violenta mas respeitável –, abrir (?) uma porta de esperança – emotiva e apaixonada –, testemunhar uma vontade pessoal – sentida e sincera.

Em Janeiro de 2008, na página derradeira do livro PROVA DeVIDA, escrevi: “Será através do contributo mais activo e alargado dos seus Associados, do talento, criatividade, empenhamento e bom senso dos seus Dirigentes, e da capacidade de diálogo e colaboração solidária, harmoniosa, transparente e moderna, com a Câmara Municipal do Barreiro e com os Agentes Económicos da Cidade, que o FCB [Futebol Clube Barreirense] poderá ultrapassar as graves dificuldades e constrangimentos actuais. E prosseguir um percurso desportivo de mérito na formação e na alta competição, um desempenho de relevo na sociedade Barreirense, um estatuto de Utilidade Pública tão legitimamente adquirido. Caso contrário, não estarão criadas, em minha opinião, as condições mínimas para a prossecução de objectivos desportivos competitivos semelhantes aos actuais, e o FCB será obrigado a recuar para patamares bem menos ambiciosos, de alcance e consequências ainda muito pouco discutidas e consciencializadas pela imensa maioria dos Barreirenses”.
Sabia então – como sei hoje – que a crueza dos números e a realidade dos factos são muitas vezes mais fortes que as nossas legítimas intenções e genuínas aspirações.

Quando no biénio 2004-2006 integrei os Órgãos Sociais do Futebol Clube Barreirense, tive uma oportunidade única de mergulhar nas “profundezas” do meu clube de sempre, e de entender – com uma clareza até então limitada e parcelar – a dimensão dos problemas e a dificuldade das soluções.

Ainda em PROVA DeVIDA escrevi: “Concordei com a venda do terreno do Campo D. Manuel de Mello. Tornei pública a minha posição nas Assembleias-Gerais que precederam essa decisão. Persuadi alguns associados a apoiarem o Presidente Manuel Lopes. Defendi a Direcção das suspeições que alguns quiseram atribuir-lhe.
O “Manuel de Mello” foi vendido. O FCB arrecadou uma verba substancial. Saldou as dívidas ao Fisco e à Segurança Social. Regularizou o pagamento de outras dívidas. Safou-se! E, como escreveu Sofia de Mello Breyner: “corpo renascido...”. Mas o desafio apenas começara. Foi uma decisão inadiável, fundamentada, mas afectivamente difícil. Ainda assim, muitos se interrogaram, e alguns disso se fizeram eco: “foram-se os anéis, mas ficarão os dedos?”.
Coube à Direcção, desde então, a responsabilidade de demonstrar que a decisão de 2005 fora correcta. E cumprir a promessa então formulada: o FCB construirá os espaços desportivos necessários e adequados ao seu Projecto Desportivo, assente na formação cívica e desportiva de jovens atletas, mas com ambições competitivas realistas e consistentes”.

Em Março de 2007 escrevi em ROSTOS: “Em vez de circulação de informação, de debate da situação, de esclarecimento das dificuldades, de apelo à mobilização, a que se assiste? Ao triunfo do silêncio, da acomodação, do desânimo e da resignação. Com gravosas consequências. E com terreno fértil para a intriga, o boato, a insinuação. Onde chegámos…”.
Foram palavras críticas para o Presidente Manuel Lopes e a sua direcção. Que caíram – uma vez mais – em “saco roto”.
A verdade é que, decorridos mais de três anos da decisão de alienar património, cresce a desilusão, falta a esperança, sobra a descrença.

Em PROVA DeVIDA escrevi também:
“O FCB do século XXI deverá ser:
- conceptualmente criativo
- desportivamente ambicioso
- estruturalmente realista
- administrativamente moderno
- política e financeiramente independente”.
Para logo de seguida acrescentar:
“Alguns conceitos programáticos deverão servir de fundamento para uma acção consequente. Assim, importa em minha opinião:
- analisar e reforçar a matriz e identidade do clube
- promover uma revisão estatutária
- definir uma nova política desportiva
- modernizar a organização administrativa
- projectar a estrutura e dimensão das instalações desportivas
- fomentar o crescimento da massa adepta e associativa
- renovar as áreas de comunicação, imagem e merchandising
- melhorar os índices de democraticidade e participação
- incrementar a inserção na juventude Barreirense
- reformular o contrato-programa com a autarquia
- atrair e conquistar o tecido empresarial
- aprofundar a ligação aos agentes culturais”.
Mantenho na sua generalidade a essência destas propostas, sendo certo que a ambição desportiva terá de ser adequada à difícil situação do clube, da autarquia e do país.

Os Órgãos Sociais do Futebol Clube Barreirense para o mandato de 2008-2010 deveriam ter sido eleitos no primeiro semestre deste ano. Tal não veio a acontecer.
Na Assembleia-Geral Ordinária de 30 de Setembro nenhuma lista se apresentou a sufrágio.
O que a prolongar-se, pode significar a acentuação de uma crise, num momento crucial para o futuro do clube.
O que a repetir-se, pode resultar num impasse na tomada de decisões fundamentais para o seu futuro – próximo e distante.

Manuel Lopes está de saída – ao que parece. Cansado e desiludido – segundo consta.
Manuel Lopes cultivou, ao longo de sucessivos mandatos, uma forma peculiar de direcção, muito centrada na sua personalidade. Desgastou-se num individualismo esforçado e exigente. Acentuou uma prática pouco mobilizadora dos associados. Não promoveu, como teria sido desejável, a formação e o desenvolvimento de equipas de trabalho. Exagerou na desconfiança com que foi enfrentando e alienando as vozes críticas – em particular as vozes construtivamente críticas.

A confirmar-se o seu afastamento, Manuel Lopes deixará um legado cuja avaliação não pode ser feita de forma superficial e leviana. Será uma herança complexa e contraditória. Com aspectos positivos. E com aspectos negativos.
Como alguém referiu teria sido possível que Manuel Lopes viesse a sair pela “porta grande”, com elogios maioritários e provas abrangentes de reconhecimento e de gratidão.
Mas receio que não venha a ser assim. E tenho pena...
Porque acredito na sua boa vontade.
Porque elogio a sua dedicação plena.
Porque reconheço a sua perseverança.

A concretizar-se o abandono, a sucessão de Manuel Lopes não será fácil.
Não vislumbro uma solução directiva a curto prazo.
Competirá ao Dr. António Sardinha – Presidente da Assembleia-Geral – promover uma alternativa.
Mas não se pense que será uma tarefa linear e de sucesso garantido. E que todos nós, Barreirenses, nos possamos excluir ou distanciar desse esforço.

O Futebol Clube Barreirense é hoje uma instituição desmobilizada e descrente. Rarefeita de boas vontades e de indispensáveis disponibilidades.
Os associados mostram-se maioritariamente distantes e indiferentes. Estão-se simplesmente “nas tintas”.
O dirigismo desportivo não é, nos tempos que vivemos, uma actividade socialmente gratificante e valorizada.
Oxalá não se venha a cair num perigoso vazio directivo, que poderia significar o colapso do clube.

O Futebol Clube Barreirense atravessa um momento particularmente difícil da sua história, mas em que paradoxalmente parece estarem criadas as condições objectivas para que seja reformulada a sua orgânica interna, a sua política desportiva, a sua dimensão estrutural.
O Futebol Clube Barreirense necessita de se reprojectar. E, eventualmente, de se refundar.
Victor Hugo escreveu que “os homens honestos procuram tornar-se úteis, enquanto os intriguistas tentam apenas ser necessários”. O clube precisa de todos os Barreirenses honestos. E dispensa todos os intriguistas, todas as “aves agoirentas” e todos os profetas da desgraça que não desejam o seu bem.

Tenho sido ao longo destes últimos uma voz relativamente isolada, mas persistente, clamando pelo rigor, pela participação e pela transparência no Futebol Clube Barreirense.
Sei que as minhas posições públicas foram aqui e ali entendidas como manifestações de um inconfessado desejo de poder e de protagonismo. Nada mais errado.
Sei que as minhas posições públicas foram por vezes retorquidas com expressões do tipo “vá p´ra lá você!”. Nada mais injusto.
O direito à opinião e à crítica é intrínseco e inalienável da minha condição de associado. É um direito de cidadania. Mas não me impõe qualquer obrigatoriedade de integrar os Órgãos Sociais.
Razões profissionais e pessoais – de dimensão inultrapassável nos próximos anos – inibem-me, ou melhor dito, impedem-me o exercício de funções executivas num futuro elenco directivo. O que não é – nunca será – sinónimo de afastamento, de abandono, de deserção.
Como escreveu António José Seguro no artigo “O valor da opinião” (EXPRESSO de 6 de Dezembro de 2008): “Pela minha parte tenciono continuar por este caminho, reflectindo e dando os meus contributos”. Que outros, dentro das respectivas disponibilidades e competências, possam fazer e dar mais… e melhor.

Quem poderá abraçar o exigente mas estimulante desafio de dirigir o Futebol Clube Barreirense com rigor, competência, modernidade?
Quem poderá assumir-se como líder de um projecto participado e descentralizado?
Quem saberá honrar o património histórico do clube?
Quem poderá dar o impulso decisivo à concretização dos projectos de construções desportivas de que carecemos?
Quem lutará pela salvaguarda do justo equilíbrio entre as duas modalidades mais representativas – o futebol e o basquetebol?
Não sei! Não sei mesmo!

Apesar de tudo, questiono ou imagino uma hipótese.
Mas “esse alguém” não parece disponível – pelo menos para já. O bom desempenho que, estou certo, efectuaria, seria a concretização de um sonho antigo, aqui e acolá já expressado. E poderia catapultá-lo para outros níveis de participação e responsabilidade – cívica e política – na Cidade e no Concelho do Barreiro. Com indiscutível credibilidade. Com acrescida visibilidade.
“Esse alguém” sabe – como eu sei – que há um tempo próprio para as coisas aconteceram. Que há um momento próprio para as grandes decisões. E que os adiamentos e as indecisões têm muitas vezes um elevado preço. Um não retorno.
Esse momento pode estar a passar por ti, caro Amigo. Se agarrares esse momento – com ambas as mãos – terás o meu total apoio. E a minha colaboração – muito limitada mas leal… como bem sabes.

Seria dramático chegar à conclusão que o Barreiro e os Barreirenses não entendem a utilidade do Futebol Clube Barreirense ou que, no limite, admitem que a sua existência é dispensável.
Seria dramático chegar à conclusão que o Barreiro e os Barreirenses não percebem que o fim do Futebol Clube Barreirense pode já ter começado.

[DESPORTO À PORTUGUESA, www.rostos.pt]