sábado, dezembro 27, 2008

Memória Barreirense (XXXV)


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Gostava de lá ter estado
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Em 29 de Abril de 1991, um mega-almoço juntou em Fernão Ferro (Concelho do Seixal) 400 Barreirenses que, com vínculos muito diversos ao basquetebol do FCB, prestaram homenagem a antigos campeões nacionais, e aproveitaram a oportunidade para uma saudável e gratificante confraternização.
Estiveram presentes na Mesa de Honra: Justino Marques (Direcção Geral dos Desportos), Júlio Freire e Luís de Carvalho (Câmara Municipal do Barreiro), Carlos Pires (Federação Portuguesa de Basquetebol), Armindo Pereira (Associação de Basquetebol de Setúbal), Emanuel Góis (Presidente da Assembleia-Geral do FCB), Luís Filipe Costa Mano (Presidente da Direcção do FCB) e Joaquim José Guilherme (jogador da primeira equipa de basquetebol do FCB). Não estive presente. E tive pena! Apesar de acompanhar desde há muito a modalidade, não fora praticante, nunca fora convidado para qualquer contribuição e, naturalmente, não fui convidado para o repasto.

Em Junho dos anos de 2002 e 2003, no final das épocas competitivas, estive presente em jantares realizados, respectivamente, no Ginásio-Sede e no restaurante Acordeon, a convite dos responsáveis da Secção de Basquetebol do FCB.
Foram magníficas concentrações de Directores, Seccionistas, Clínicos, Atletas e Pais, que demonstraram uma grande vitalidade do basquetebol de formação do clube. Senti-me bem, junto de gente boa, que fui conhecendo ao longo de muitos anos, em momentos de triunfo e de alegria, mas também, por vezes, em contextos de derrota e desilusão.
Guardo também uma grata recordação de um jantar realizado em Abril de 2004 no restaurante Fragata e que serviu para confraternização de todo o grupo de trabalho da equipa sénior de basquetebol. Liderado tecnicamente por José Luís Damas – que sucedera no cargo a Francisco Cabrita – o FCB teve nessa época uma prestação meritória, dolorosamente interrompida no quinto jogo da primeira eliminatória dos playoff de atribuição do título de campeão da Liga TMN, por um cesto de Francisco Rodrigues obtido no último segundo da partida. Tal como nas temporadas precedentes de participação na Liga Profissional, acompanhara a equipa em praticamente a totalidade dos jogos caseiros e forasteiros. E tivera ainda outros níveis de contribuição para a Secção. Por essa razão, o Director José Manuel Tenório teve a gentileza de me convidar.
No final do jantar, em tempo de discursos, fui surpreendido com a oferta de uma bola assinada por todo o staff, o que me deixou muito feliz. Emocionado, agradeci tão grande deferência. E proferi uma intervenção, traduzida em inglês por António Carrilho e Ricardo Gomes para três dos atletas estrangeiros que tão competentemente haviam servido as nossas cores: Tiray Pearson e Ronnie McCollum (norte-americanos), Dusan Macura (sérvio). As minhas palavras tiveram dois destinatários principais: Manuel Lopes, que vinha alertando para a sua intenção de diminuir drasticamente o orçamento do basquetebol para a temporada seguinte e Emídio Xavier, Presidente da Câmara Municipal do Barreiro, a quem agradeci o apoio concedido ao FCB através de um Contrato-Programa e a quem solicitei a manutenção dos apoios da autarquia a uma modalidade de tão grandes tradições no clube e um veículo tão importante de difusão do Barreiro por esse país fora.
Estava então muito longe se supor que, escassas semanas depois, as contingências e as exigências de uma delicada situação da modalidade me tornariam Director do FCB e interlocutor da Secção de Basquetebol junto da Câmara Municipal do Barreiro…
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Saco escondido
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Graves dificuldades económicas assolavam o FCB, uma vez mais. Em Assembleia-Geral realizada a 8 de Novembro de 1991, os associados presentes em número razoável no Ginásio-Sede, viram uma luz ao fundo do túnel. António Parra Duarte, Presidente da Direcção, disponibilizou-se para emprestar uma parte considerável da dívida, para pagamento de compromissos inadiáveis.
O ‘mecenas’ aí estava para – com mais ou menos custos para o FCB, maior ou menor transparência, mais ou menos interesse pessoal e/ou empresarial – assegurar a continuidade do clube, pelo menos no modelo organizacional e competitivo vigente nos últimos tempos. Naturalmente que a sua ‘generosa’ disponibilidade mereceu pronta aceitação e emotivo reconhecimento por parte dos associados que, como eu próprio, votámos favoravelmente, sem grandes hesitações.
De pé, junto à ala esquerda da mesa onde os membros da Mesa da Assembleia-Geral dirigiam os trabalhos, António Parra Duarte, homem de estatura baixa, parecia nervoso e tenso. Curiosamente, os seus movimentos pareciam limitados por algo que se vislumbrava debaixo da sua axila esquerda. A dúvida e a curiosidade ocorreram-me e, a avaliar pela reacção dos que me rodeavam, também invadiu o espírito de muitos dos presentes mais atentos. Que seria aquilo?
Apresentadas as suas promessas e aprovadas as propostas imobiliárias, financeiras e desportivas, António Parra Duarte deslocou-se para a zona mais central da mesa e pousou um volumoso, incómodo e certamente pesado saco de papel. O mistério estava desfeito! Do saco escondido brotaram notas e notas de conto. Afinal… os 11.400 contos [cerca de 57.000 euros] que o Presidente prometera, para ‘salvação’ do FCB.
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Tributo a Albino Macedo

A Assembleia-Geral Extraordinária de 4 de Abril de 2005, presenciada por 116 associados, foi convocada para “deliberação da atribuição de emblema de diamante e louvor ao associado Albino António da Silva Macedo pelos altos serviços prestados ao FCB”.
Efectuei uma breve intervenção em defesa daquela proposta. Alves Pereira, ilustre jurista e Presidente da Assembleia-Geral em vários mandatos, efectuou uma brilhante intervenção, de grande conteúdo e com a qualidade oratória que o caracteriza. A proposta veio a ser aprovada por unanimidade.
Uma semana depois, realizou-se a sessão comemorativa do 94º aniversário do FCB. Por solicitação de Manuel Lopes, proferi uma intervenção dedicada a Albino Macedo, que seria depois galardoado com o Emblema de Diamante, por 75 anos de filiação clubista.
Conheci Albino Macedo há mais de quatro décadas. Amigo do meu pai, que integrou elencos directivos por si presididos. Foi com enorme prazer, mas também com algum constrangimento, que aceitei o desafio. Perante uma vasta audiência de Barreirenses e ilustres convidados, onde se destacava Vicente Moura, Presidente do Comité Olímpico Português, li um texto que preparara com todo o cuidado:

Exmo. Presidente da Assembleia-Geral do Futebol Clube Barreirense
Exmo. Presidente da Câmara Municipal do Barreiro
Exmas. Individualidades presentes na Mesa desta Sessão Solene Comemorativa do 94º Aniversário do Futebol Clube Barreirense
Caros Consócios e demais presentes

Como muitos de nós, Albino António da Silva Macedo, é associado do Futebol Clube Barreirense desde o seu dia de nascimento.
Ao longo de 75 anos, Albino Macedo dedicou-se de corpo e alma ao engrandecimento e fortalecimento do nosso histórico clube. Como atleta, destacou-se no basquetebol, tendo apenas representado as nossas cores, ao longo de uma carreira de 17 anos (1946 a 1963). Para a história ficam muitos momentos de glória, daquele que foi capitão do Futebol Clube Barreirense, campeão nacional sénior nas épocas de 1956/1957 e 1957/1958 e capitão da Selecção Nacional sénior de 1957 a 1959. Como dirigente, Albino Macedo foi pela primeira vez Presidente do FCB com apenas trinta e quatro anos de idade, sendo ainda hoje o associado com maior número de anos como Presidente do clube, onze, entre 1964 e 1992. Desempenhou outros cargos directivos e é, como sabem, actualmente Presidente do Conselho Consultivo e Contas. A sua dedicação, a sua honestidade, a sua simplicidade, o seu desprendimento material, elevam-no sem qualquer dúvida, ao patamar mais alto de todos quantos têm servido este clube ao longo de noventa e quatro anos.
Em 1958, apenas dois anos após a inauguração do nosso Ginásio-Sede, sensibilidades diversas no seio do clube, dividiam a sua eficácia, dificultavam o seu crescimento, ameaçavam a sua unidade. No Jornal do Barreiro de 20 de Fevereiro desse ano, o associado Fernando de Alenquer, escrevia em artigo de opinião: “O Futebol Clube Barreirense é uma colectividade especial. Pode ser igual a outras, ter pelo menos afinidades que em certos aspectos tornem comum o seu destino; mas nenhuma lhe é paralela no caminho do esforço criador… Mas a sua massa associativa está dividida. O haver numerosos grupos, cada um constituindo, muito naturalmente, um núcleo de opinião e de crítica, não significa divisão perniciosa; pelo contrário, se cada grupo se orientar no sentido do engrandecimento da colectividade, opinando e criticando construtivamente, a revalorização será inevitável e mais rápida… O Barreirense é um clube especial, cheio de popularidade. Mas precisa de unidade. Precisa de que dentro dele se difundam doutrinas que lhe mostrem a sua obra inacabada; que lhe revelem não estar ainda concluída a estrada do seu destino; que lhe mostrem a necessidade de aproveitar valores e de os conjugar no sentido de nunca se perder esse tino que lançou a primeira pedra do ginásio e depois tornou, pelo esforço criador, a obra una e indivisível. É difícil o desiderato? Não se nega a canseira a que obrigará. Mas as tarefas cívicas que decorram dessa obrigação de indivisibilidade, no sentido construtivo, serão benditas. Elas eliminarão, a pouco e pouco a dificuldade de construir elencos directivos e tornarão o Barreirense mais Barreirense – mais progressivo… O Barreirense precisa de todos: dos que só podem pagar a sua quota e dos que, acima de tudo, lhe podem dar a sua inteligência e a sua dedicação”.
Como parecem sábias e actuais estas palavras. Num momento em que tanto pode mudar tão depressa neste grande clube, importa fortalecer a unidade entre todos os Barreirenses, afirmar a sua matriz identitária, onde se destaca a prática tradicional e gloriosa de duas modalidades muito queridas: o futebol e o basquetebol. Albino Macedo, personifica esta perspectiva, passada, actual e futura, de um clube que se quer plural, realista mas ambicioso.
Albino Macedo acompanha com intensidade e paixão todas as actividades do clube. Aos sábados, vemo-lo no Pavilhão Luís de Carvalho, apoiando a equipa sénior de basquetebol, já não amadora como no seu tempo, mas ainda assim peculiar no panorama da modalidade em Portugal, pela afirmação tão forte da sua escola de formação e que a tornam tão respeitada e tão admirada. Aos domingos, é fácil encontrar o Albino no ‘Manuel de Mello’ ou em qualquer outro campo onde se desloca a nossa mais representativa equipa de futebol.
O Futebol Clube Barreirense sabe honrar e homenagear as suas glórias, os seus mais devotados, competentes, sérios e ilustres associados. Em Novembro de 1959, sendo Presidente Renato Freire, Albino Macedo, ainda praticante de basquetebol, carreira que apenas encerraria cinco anos depois, foi alvo de uma inesquecível festa de homenagem e consagração, promovida no Ginásio-Sede pelo seu clube de sempre. Recebeu com todo o merecimento a Medalha de Mérito e Dedicação do Futebol Clube Barreirense, entregue pelo associado número um, António Maria da Costa. No palco, numa cortina aveludada, podia ler-se: “Obrigado Albino Macedo”.
Essas são, também hoje, as minhas últimas palavras, as nossas últimas palavras: “Obrigado Albino Macedo”.
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[Excerto do Capítulo V - Reuniões Magnas
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)