terça-feira, dezembro 02, 2008

Memória Barreirense (XXVIII)


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Os ‘pintainhos’
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Na temporada de 2005/2006, o FCB foi contemplado com o Prémio Cremildo Pereira, atribuído pela Federação Portuguesa de Basquetebol ao(s) clube(s) com mais atletas de Minibasket – masculino, feminino e soma dos dois géneros.
Para a recepção do bonito troféu, desloquei-me em representação do FCB à Anadia, onde decorreu em 2 de Abril de 2006, a Final a 8 da LII Taça de Portugal. Pavilhão lotado, em tarde de muito calor, para um sempre apetecível FC Porto-Benfica. Cheguei cedo, com o objectivo de distribuir largas dezenas de revistas Barreirense Basket pelos convidados presentes. No intervalo do jogo, recebi o troféu Cremildo Pereira – Minibasket masculino. O Barreiro foi também premiado no sector feminino, tendo Vasco Marques, Presidente do Grupo Desportivo da Escola Secundária de Santo André, recebido o respectivo troféu. Arala Chaves, Presidente da S.A.D. da Associação Desportiva Ovarense, recebeu o prémio correspondente ao clube com mais praticantes (masculinos e femininos).
Sinal da cordialidade existente entre os dois clubes solicitei ao fotógrafo de serviço na cerimónia, que efectuasse um registo com Vasco Marques e eu próprio, imagem que foi divulgada na edição seguinte do Jornal do Barreiro.
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“– Lisboa é Portugal – gritou o outro. – Fora de Lisboa não há nada. O país está todo entre a Arcada e S. Bento!...” (Eça de Queirós, Os Maias, edição Círculo de Leitores).
O Portugal dos nossos dias, apesar do excessivo centralismo que ainda o caracteriza e penaliza, já não é o mesmo que o grande romancista nos retratou com tão reconhecido talento. No basquetebol e, felizmente, em tantos outros sectores, certamente mais importantes da vida do país. Há mesmo quem atribua ao Barreiro o epíteto de Capital do Basquetebol. De facto, o FCB no sector masculino e o Grupo Desportivo da Escola Secundária de Santo André (GDESSA) no basquetebol feminino, têm sido expoentes das boas práticas a que a modalidade pode aspirar. Com fortes escolas de formação, do Minibasket aos Juniores. E equipas seniores competitivas, com presença significativa de atletas oriundos dos escalões jovens dos respectivos clubes.
É fundamental que os clubes praticantes da modalidade no Barreiro tenham relações exemplares e se articulem – com o tecido empresarial e com a autarquia – de forma inteligente e consequente. Nos dois anos de mandato directivo, tive consciência dessa necessidade, mas a sua implementação sofreu, aqui e ali, obstáculos e incompreensões. No final do meu exercício directivo escrevi a Vasco Marques e também a António Fernandes, Director do Galitos FC:
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Caro Vasco Marques:
Consumada a eleição dos novos Órgãos Sociais do FC Barreirense e o meu abandono da sua Direcção, permita-me que saúde e lhe agradeça, em nome individual, a forma cordial, responsável e construtiva, como se pautou a relação entre a Secção de Basquetebol do Grupo Desportivo da Escola Secundária de Santo André e a Secção de Basquetebol do FC Barreirense, que procurei defender, servir e engrandecer, ao longo de exigentes quão estimulantes dois anos.
Muito ficou certamente por fazer, articular e implementar.
Espero e desejo sinceramente que as Secções de Basquetebol dos nossos clubes possam aprofundar os vínculos de colaboração e solidariedade, ao serviço do Basquetebol.
Com os meus cumprimentos,
Paulo Calhau
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Na época seguinte (2006/2007), o FCB voltou a receber tão relevante troféu, manifestação inequívoca da nossa força, sustentabilidade e coerência.
Derivado da expressão Biddy Basketball (tradução à letra: bola ao cesto para pintainhos) o Minibasket foi idealizado por Jay Archer, norte-americano nascido em 1912, Sranton - Pensilvânia. Nos finais da década de 50, após outras experiências, teve a ideia de baixar a altura das tabelas dos campos de basquetebol, fazendo uma adaptação das tabelas oficiais. Resolveu ainda reduzir as dimensões e o peso da bola.
Rapidamente divulgado nos Estados Unidos da América, Canadá e Porto Rico, o Minibasket chegou à Europa em 1961 (Espanha) e a Portugal (Moçambique, 1964 e Porto, 1966), devido à acção respectivamente de Cremildo Pereira e de Eduardo Nunes, campeão nacional pelo FCB. A partir de 1970 o Minibasket registou em Portugal um grande desenvolvimento a nível escolar e, posteriormente, foi implementado por um número crescente de clubes.
O FCB tem dedicado uma particular atenção à prática e desenvolvimento do Minibasket. Assumindo-se como Clube Formador, e indiscutivelmente como um dos mais relevantes do panorama basquetebolístico nacional. Com uma política desportiva assente na promoção e integração dos seus juniores mais qualificados na formação sénior, pode dizer-se que o sucesso dessa opção tem estado directamente ligado aos naturais ciclos de crescimento e desenvolvimento do Minibasket Barreirense.
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Revelação
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Em Abril de 2006 tive o prazer de acompanhar o Miguel Graça a Oliveira de Azeméis. O valoroso basquetebolista tivera, com apenas 19 anos, uma prestação altamente meritória na sua primeira temporada na Liga Profissional e, decorrente da sua eficácia, foi contemplado com o prémio Revelação.
Foi um dia bem agitado, cansativo mas igualmente feliz e gratificante. Apressei as tarefas hospitalares e, ao início da tarde, regressei ao Barreiro para recolher da mãe do Miguel Graça, calçado e indumentária mais consentânea com a importância da cerimónia prevista para essa noite. O Miguel estava próximo de Mira - Aveiro, em estágio da Selecção Nacional de sub-20, preparatório para o Campeonato da Europa - Divisão B, que viria a decorrer em Lisboa no mês de Julho, com a presença de mais três atletas Barreirenses, António Pires, David Gomes e João Santos. Depois de uma primeira etapa da viagem, cheguei ao local de estágio. Confirmada a autorização de Pires Antunes, responsável da delegação federativa, para uma ‘saída precária’ do Miguel, lá partimos rumo a Oliveira de Azeméis. Foi uma noite bem bonita para o nosso atleta. Sem vaidade, algo tímido até, mas não disfarçando natural alegria, o Miguel foi muito bem recebido por todos os colegas que iriam ser igualmente premiados, bem como pela generalidade dos dirigentes e treinadores presentes no Hotel Dighton. Jantámos em mesas diferentes. O Miguel com outros atletas. Eu, com dirigentes de diversos clubes da Liga de Clubes de Basquetebol. Foi um jantar que me desiludiu. Conversa desinteressante. Onde se falou muito de futebol, quase nada de basquetebol...
Concluído o repasto, foi tempo de discursos e da entrega dos prémios, da pose para as fotografias da praxe e das despedidas. O regresso adivinhava-se fisicamente exigente. Teríamos que regressar primeiro ao ‘Hotel da Selecção’. Para mim, faltariam ainda muitos quilómetros de estrada, já a madrugada se iniciava. Em Leiria, não resisti ao sono e ao cansaço. Na A1, decidi pernoitar num hotel na área de serviço respectiva. Poucas horas depois, voltei à estrada para comparecer no meu Serviço de Pediatria, como habitualmente, antes das oito e trinta da manhã.
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Com Mário Gomes e… Edson
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Foi a primeira Final Four em que estive presente, após ter concluído funções directivas. Na Capital do Móvel tivemos uma excelente prestação e alcançámos o 3º título nacional de Juniores A. Assisti aos jogos junto de Mário Gomes, que fora treinador da equipa sénior nessa temporada trabalhara com a quase totalidade dos atletas presentes em Paços de Ferreira.
Recordo quatro momentos dessa viagem: a emoção de um habitualmente mais contido Francisco Cabrita no final da prova; a deslocação de António Pires e Miguel Graça à bancada onde nos situávamos, para um abraço efusivo a Mário Gomes; a homenagem a Edson Fernandes, que David Gomes protagonizou com os seus colegas, no final da última e decisiva vitória; o jantar que tive num restaurante do Porto, com Francisco Cabrita, Mário Gomes e companheira, e que reforçou importantes laços de amizade.
Mantive posteriormente uma relação de proximidade com Mário Gomes, mesmo quando abraçou novo projecto profissional, ao serviço da Federação de Basquetebol da Jordânia. Nas vésperas do 25 de Abril de 2007 enviou-me um e-mail onde emergia alguma amargura e pessimismo pelo percurso decorrido após Abril de 1974. Para ele e outros amigos, escrevi a esse propósito um texto para Rostos, no dia 25 de Abril de 2007:
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Ainda e sempre!
“Portugal, o Estado, a administração pública e as grandes empresas privadas estão a mudar de pele. E talvez a sociedade. Mais uma vez. Ainda é difícil saber se para melhor ou pior. Ou se voltaremos em breve ao que éramos. Mas ninguém tenha dúvidas de que a operação está em curso. Mais Espanha. Mais concentração empresarial. Mais ligações perigosas entre o Estado e a empresa privada. Mais dependência das multinacionais. Menos dinheiros europeus. Mais emigração de portugueses para o estrangeiro. Mais controlo do governo sobre a sociedade. Mais vigilância sobre os cidadãos. Mais precariedade do trabalho. Mais saúde privada. Menos protecção social. Mais turismo de massas. Mais destruição dos centros históricos das cidades. Mais aviltamento do que resta do litoral. Menos urbanismo. Como sempre, ninguém conhece o resultado. Mas vale a pena estar atento ao caminho.” (António Barreto, Público de 22 de Abril de 2007).
Estas palavras do destacado sociólogo que semanalmente me oferece um olhar independente e lúcido da realidade portuguesa contemporânea foram publicadas a escassos três dias da celebração do 33º aniversário da Revolução de Abril.
Alguns, porventura mais precipitados, poderão ver nelas um desencanto desmedido com a evolução da Democracia e da Liberdade no Portugal que António Barreto tão bem ajudou a construir e a consolidar. Com muito amor pela justiça, pela lei, pelo bom-senso. E que lhe valeu ataques de tal forma indignos e soezes, e tentativas de enxovalho público do seu carácter, da responsabilidade de alguns profissionais da política – já então velha e decrépita, embora pretensamente igualitária e popular.
Também eu tenho como verdadeiras as palavras de António Barreto. Também eu tenho pena de alguns dos caminhos da nossa política. Também eu tenho nojo de alguns, demasiados, protagonistas da nossa classe política. Mas hoje, apetece-me sobretudo lembrar que o 25 de Abril me (nos) deu: mais Paz, mais Liberdade, mais Pão, mais Saúde, mais Educação. Acham coisa pouca e secundária?
Hoje, 25 de Abril, vou comemorar a Revolução dos Cravos. Com recato e de forma intimista. E vou lembrar Amigos, os antigos e os recentes, que hoje não poderei abraçar, de Leça da Palmeira a Amã.
Quero-te tanto, Abril!
Ainda e sempre!

[Conclusão do Capítulo III - Viagens na minha terra.
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)