sexta-feira, abril 17, 2009

A Autarquia e Nós


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O Artigo 46º da nova Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, aprovado na Assembleia da República a 7 de Dezembro de 2006 e publicado em Diário da República de 16 de Janeiro de 2007 (1ª série, Nº 11, págs. 356-363), veio recolocar na ordem do dia a problemática do apoio das autarquias ao desporto profissional. Pode aí ler-se no ponto 2 que "Os clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional não podem beneficiar, nesse âmbito, de apoios ou comparticipações financeiras por parte do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, sob qualquer forma, salvo no tocante à construção ou melhoramento de infra-estruturas ou equipamentos desportivos com vista à realização de competições desportivas de interesse público, como tal reconhecidas pelo membro do Governo responsável pela área do desporto".
Num país em que o triângulo clubes - autarquias - construção civil, tem sido demasiadas vezes associado a processos e interesses pouco legítimos e ainda menos transparentes, impunha-se clarificar e legislar. O que recentemente se concretizou e, como tal, se aplaude.
Creio que não será por via desta alteração legislativa que o FCB verá comprometida a prossecução da sua actividade. Porque, em defesa de uma política desportiva moderna, e de forma estritamente legal, será com toda a certeza possível que a Câmara Municipal do Barreiro continue a apoiar o clube. É verdade que desde a época de 2000/2001, quando passou a integrar a Liga de Clubes de Basquetebol e a disputar a sua Liga Profissional, o FCB tem sido contemplado com apoios financeiros e logísticos da autarquia, mediante a celebração de um Contrato-Programa de vigência anual, orientado para a promoção da modalidade no Concelho do Barreiro. Esse apoio tem vindo a diminuir nos últimos anos e, no biénio 2004-2006, correspondeu aproximadamente aos custos de funcionamento da nossa magnífica escola de formação, compatibilizando-se de forma estratégica e consequente a democratização da prática da modalidade a algumas centenas de jovens, com a concretização de elevados níveis competitivos traduzidos na conquista de 7 títulos nacionais.
Esta Lei que "define as bases das políticas de desenvolvimento da actividade física e do desporto" (Artigo 1º), especifica no seu Artigo 5º que "o Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais promovem o desenvolvimento da actividade física e do desporto em colaboração com as instituições de ensino, as associações desportivas e as demais entidades, públicas ou privadas, que actuam nestas áreas". E no Artigo 6º, ponto 1, atribui-lhes a responsabilidade de "promoção e generalização da actividade física, enquanto instrumento essencial para a melhoria da condição física, da qualidade de vida e da saúde dos cidadãos", para o que (ponto 2, alínea a) deverão ser adoptados programas que visem "criar espaços públicos aptos para a actividade física". Ainda no âmbito das políticas públicas (Capítulo III), o Artigo 7º afirma no ponto 1 que “incumbe à Administração Pública na área do desporto apoiar a prática desportiva regular e de alto rendimento, através da disponibilização de meios técnicos, humanos e financeiros, incentivar as actividades de formação dos agentes desportivos e exercer funções de fiscalização” e o Artigo 8º aborda os termos da política de infra-estruturas e equipamentos desportivos. Quer isto dizer que as autarquias têm responsabilidades bem definidas na área do desporto e que não se podem eximir de as cumprir.
No interessantíssimo estudo "As melhores cidades portuguesas para viver" efectuado pelo Expresso e publicado na edição de 6 de Janeiro de 2007, o Barreiro ocupa um penoso 39º e penúltimo lugar entre as 40 cidades avaliadas. Curiosamente, de um total de vinte itens considerados para valorização, a pontuação obtida no capítulo "equipamentos desportivos" (55 pontos para um limite de 100), colocou a nossa cidade no 20º lugar, em igualdade pontual com mais oito cidades, mas longe dos 70 pontos de Braga e Porto, as duas primeiras classificadas nesse parâmetro. Ou seja, apesar das carências e lacunas que persistem, nomeadamente em termos de espaços para treino, formação e desporto de lazer, há um conjunto de equipamentos que têm alguma qualidade e uma taxa de ocupação muito apreciável.
O apoio ao desporto escolar, realidade ainda tão frágil em Portugal, como se documenta no relatório "Desporto Escolar: Um Retrato", estudo coordenado por Luís Capucha e apresentado publicamente em 17 de Janeiro de 2007, é uma competência que a nossa autarquia saberá certamente prosseguir. Mas é igualmente necessário que todas, ou pelo menos as principais forças políticas, assumam uma posição clara e coerente a propósito dos objectivos e limites do apoio aos clubes desportivos do Barreiro. Pulverizar um bolo financeiro cada vez mais pequeno por uma miríade de clubes de dimensão, capacidade e eficácia muito distintas, pode ser a cada momento uma forma politicamente correcta de actuar. Mas a política, séria e responsável, impõe escolhas e opções, corajosas e nem sempre fáceis. Escolhas e opções que deverão decorrer de uma análise adequada dos projectos apresentados e de uma avaliação criteriosa da sua exequibilidade. E, nos casos seleccionados, com controlo e fiscalização exigentes da sua aplicação e concretização. Deverá ser assim. Será que foi sempre assim?
Pelo seu curriculum vitae o FCB tem feito jus aos apoios reivindicados e obtidos da autarquia. Os dirigentes e os associados aspiram naturalmente a mais e melhores contributos, sabendo obviamente reconhecer as dificuldades financeiras presentes e o mérito de alguns outros projectos desportivos. Com mais ou menos slogan – Barreiro Cidade Desportiva, Barreiro Cidade da Participação – impõe-se a celebração de Contratos-Programa justos, racionais e exigentes, entre a autarquia e o FCB, com observância absoluta dos requisitos contemplados na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Artigo 47º).
O FCB é, sem margem para dúvidas, o clube mais representativo do Concelho e, nessa conformidade, assume uma legítima vontade de que os eleitos autárquicos correspondam de forma clara e consequente a direitos e deveres, consignados na Constituição da República. É esta argumentação que o clube deve esgrimir. É esta responsabilidade que a Câmara Municipal do Barreiro tem de assumir. Pelo Desporto e pelo Barreiro!
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PS: Este texto "A Autarquia e Nós" integra o último capítulo do meu livro "PROVA DeVIDA – Estórias e Memórias do meu Barreirense", publicado em 8 de Março de 2008.
Foi pela primeira vez publicado no Jornal do Barreiro de 26 de Janeiro de 2007.
Também já o divulguei neste blogue
em 28 de Janeiro de 2009.
A necessidade da sua re-divulgação surgiu-me na noite de terça-feira, quando presenciei a cerimónia solene comemorativa do 98º aniversário do Futebol Clube Barreirense.
Relido o seu conteúdo, entendo que os mais de dois anos entretanto decorridos não o dataram particularmente, além de que permaneço fiel às opiniões que então exprimi.
Voltarei ao tema dos apoios autárquicos ao desporto e, ainda antes disso, espero opinar acerca das intervenções que Manuel Lopes (presidente da Direcção do FCB), Carlos Humberto (presidente da CMB) e António Sardinha (presidente da Assembleia-Geral do FCB) proferiram na noite de 14 de Abril de 2009.

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