domingo, setembro 28, 2008

Comunismos

“Cada coisa tende a dividir-se em dois. As teorias não fazem excepção: também tendem a dividir-se. Por todo o lado onde existe uma doutrina revolucionária científica, a sua antítese, uma doutrina contra-revolucionária e anticientífica surge necessariamente do seu desenvolvimento.”
Chu Yang


A polémica começara antes, mas foi em 1960 que assumiu uma dimensão pública. Refiro-me à disputa político-ideológica entre o Partido Comunista Chinês (PCC) e o Partido Comunista da União Soviética (PCUS), à data os dois maiores partidos comunistas no poder.
A publicação em Abril de 1960 de VIVA O LENINISMO! – conjunto de três textos parcialmente escritos por Mao Zedong e publicados na revista teórica Hongki e no jornal Renmin Ribao criticando a política externa soviética – foi o mote para uma hostilização dos chineses para com a União Soviética e os seus aliados, que se acentuou progressivamente e não mais cessou.
É justamente o período inicial do conflito sino-soviético, a sua repercussão no movimento comunista internacional, a emergência dos movimentos marxistas-leninistas pró-chineses e pró-albaneses e a génese da primeira organização política portuguesa com estas características – a Frente de Acção Popular / Comité Marxista Leninista-Português – que O UM DIVIDIU-SE EM DOIS, o mais recente livro de José Pacheco Pereira (JPP), aborda ao longo de cerca de 180 páginas, numa edição da Alêtheia.
Possuidor da maior biblioteca privada portuguesa – recheada de mais de 60.000 volumes – JPP dedica há muito tempo uma atenção particular ao estudo do comunismo, sendo que um dos seus blogues tem precisamente essa designação. JPP publicou já uma interessante bibliografia sobre esta temática, de que destaco os primeiros três volumes de ÁLVARO CUNHAL – UMA BIOGRAFIA POLÍTICA, aguardando-se a publicação do quarto e julgo que último livro dessa magnífica série, cuja leitura me permito sugerir-vos.
O UM DIVIDIU-SE EM DOIS é uma pequena parcela da tese de doutoramento que JPP vem preparando, dedicada à história do radicalismo de extrema–esquerda, entre 1964 e 1974. Sustentado numa vasta pesquisa bibliográfica, o livro abrange o período compreendido entre 1960 e 1965, quando os chineses passaram a classificar as orientações soviéticas acerca da guerra nuclear e da luta de classes como “reaccionárias” e “revisionistas”.
A Conferência dos Partidos Comunistas (Moscovo, Novembro-Dezembro de 1960) foi o primeiro fórum internacional onde as posições do PCC (apoiadas pela Albânia de Enver Hodja) se digladiaram com o PCUS (apoiado pela maioria dos partidos comunistas). A repercussão das divergências não se fez esperar no seio do movimento comunista, onde emergiram vozes e movimentos alinhados com as orientações sino-albanesas. JPP dá particular realce às cisões verificadas um pouco por todo o mundo, do Brasil (João Amazonas) à Bélgica (Jacques Grippa), passando pela França (Jacques Jurquet) e por outras dissidências de maior ou menor expressão. Um dos aspectos mais estimulantes deste livro é a chamada de atenção de JPP para o facto de a emergência do conflito sino-soviético – fortemente decorrente da vitória de Krutchev no XX Congresso do PCUS (Fevereiro de 1956) – ter coincidido com um período muito crítico e conturbado do Partido Comunista Português (PCP), com a luta de Álvaro Cunhal contra o chamado “desvio de direita” protagonizado pela direcção de Júlio Fogaça, numa disputa que nas palavras de JPP “colocava, em teoria, o PCP e Cunhal mais próximos das teses chinesas do que das soviéticas”. Entretanto, Francisco Martins Rodrigues – funcionário do PCP, militante do partido desde 1951, e integrante do grupo de dirigentes que se evadiu da cadeia de Peniche com Álvaro Cunhal em Janeiro de 1960 – aderiu às teses sino-albanesas, foi expulso do PCP (Dezembro de 1963) e veio a constituir em Paris (Março de 1964) com Ruy d´Espinay e João Pulido Valente, a Frente de Acção Popular (FAP) e o Comité Marxista-Leninista Português (CMLP). A prisão de Francisco Martins Rodrigues e dos seus camaradas (Janeiro de 1966) determinou o desmantelamento daquela que foi a primeira organização de extrema-esquerda em Portugal.
O UM DIVIDIU-SE EM DOIS é um livro muito interessante, bem organizado, escrito de forma escorreita e facilmente compreensível – como é apanágio do seu autor. Constitui uma obra compreensivelmente atractiva para sectores relativamente restritos, interessados no aprofundamento do conhecimento e estudo do comunismo. Mas com indiscutível interesse histórico. É, nessa perspectiva, e na minha modesta opinião, mais uma excelente contributo de JPP.


[UM LIVRO DE QUANDO EM VEZ, 04/9/2008 www.rostos.pt]