domingo, setembro 21, 2008

Sonho e realidade

Há cerca de oitenta anos que o Basquetebol é praticado no Barreiro. Conquistou um carinho especial dos barreirenses desde o início da sua implantação local. E obteve rapidamente um enorme destaque competitivo, protagonizado pelo FC Barreirense − desde logo e até à actualidade. Apesar deste clube − o meu clube − ter sido quase sempre o mais valoroso no panorama distrital e nacional, é justo destacar que outras colectividades camarras − com relevo para o GD da CUF e o Luso FC − contribuíram também para o seu crescimento e desenvolvimento. Na actualidade, FC Barreirense e Galitos FC (masculino) e GD da Escola Secundária de Santo André (feminino) dão uma expressão concreta e vitoriosa à modalidade na Cidade do Barreiro, considerada a “Capital Nacional do Basquetebol”.

Decorre então da História − passada e presente − que um número apreciável de barreirenses acompanha as incidências da modalidade com particular interesse, a nível de clubes mas também a nível de selecções (seniores ou escalões de formação). É portanto expectável que muitos daqueles que apreciam esta modalidade, tenham seguido com alguma ansiedade e interesse a participação da Selecção Nacional na fase de qualificação para o próximo campeonato europeu, que se disputará na Polónia em 2009. E que, diga-se em abono da verdade, mereceu uma cobertura aceitável por parte da comunicação social.

Em Setembro de 2007, Portugal participou − pela primeira vez de pleno direito desportivo − no Campeonato da Europa de Basquetebol, disputado na vizinha Espanha. Apesar da proximidade geográfica, não fomos mais de duzentos os que acompanhámos a nossa Selecção orientada tecnicamente pelo ucraniano Valentyn Melnychuk − treinador que regressaria pouco depois a Kiev para liderar a sua Selecção Nacional. A participação de Portugal − primeiro em Sevilha e depois em Madrid − foi valiosa. Com duas vitórias categóricas sobre a Letónia e Israel, e prestações muitos combativas e dignas contra a Espanha, Croácia, Rússia e Grécia − países claramente mais fortes no basquetebol europeu. O 9º lugar então alcançado pareceu-me algo desajustado − ainda bem, mas perigosamente − da realidade quantitativa e qualitativa da modalidade em Portugal. Mas constituiu um prémio merecido para um grupo de trabalho com várias presenças barreirenses − João “Betinho” Gomes, Miguel Minhava e Paulo Simão (atletas), Dr. Valério Rosa (médico), Prof. Manuel Fernandes (director técnico nacional) e Arqº Carlos Pires (vice-presidente da Federação Portuguesa de Basquetebol).

Foi com novo comando técnico − assumido pelo competente e prestigiado galego Moncho Lopez, ex-seleccionador nacional de Espanha − algum optimismo, mas com natural sentido da realidade, que Portugal encetou a disputa da fase de qualificação para o EuroBasket 2009. A desilusão começou cedo, com uma derrota caseira frente à acessível Estónia (70-79), seguida de pesadas e desencorajadoras derrotas forasteiras diante da Letónia (85-48) e Macedónia (79-43). No início da segunda volta, a vitória em Tallinn (54-60) deu um novo alento, que os jogos subsequentes em território luso vieram a confirmar, com vitórias sobre a Macedónia (81-71) e Letónia (93-22). A recuperação obtida na segunda volta desta poule foi todavia insuficiente para nos apurar directamente para a fase final. Pudemos ainda assim − do mal o menos − permanecer na Divisão A. E poderemos ainda estar no EuroBasket2009 se conquistarmos o 1º lugar numa poule final especial, o que se me afigura claramente improvável.

Não considero particularmente importante tentar analisar neste texto as causas do nosso relativo insucesso. Não tenho, de resto, competência para o fazer. Prefiro antes realçar alguns aspectos:
1. Com quem travámos agora este combate? Curiosamente com tês países de independência relativamente recente, saídos do desmoronamento da URSS (Estónia e Letónia) e da Jugoslávia (Macedónia). Repúblicas jovens e com uma população muito inferior à de Portugal (Estónia: cerca de um milhão e trezentos mil habitantes; Letónia: cerca de dois milhões e trezentos mil; Macedónia: cerca de dois milhões).
2. Os três países supracitados são oriundos de duas grandes potencias do basquetebol europeu e mundial − a União Soviética foi por catorze vezes campeã europeia e a Jugoslávia levantou o “caneco” por oito vezes −, com avançadas escolas de formação e excelentes apoios e condições de trabalho para a elite dos melhores atletas e treinadores. Na actualidade, Letónia, Estónia e Macedónia terão ainda os “genes” dos países de onde se distanciaram, embora os dois últimos se encontrem, como Portugal, num nível qualitativo intermédio, seja no escalão sénior seja nos escalões de sub-20, sub-18 e sub-16. A Letónia − a quem ontem vencemos de forma heróica e espectacular − situa-se num nível ligeiramente superior, com um praticante de referência – o “gigante” Andris Biedrins, que actua nos Golden State Warriors da Liga NBA.
3. Temos um histórico positivo contra aqueles países? Não. Até ao início da presente poule apenas uma vitória contra a Macedónia em sete desafios, uma vitória em seis partidas frente à Letónia e uma vitória e três derrotas diante da Estónia. Ou seja escassas três vitórias em dezasseis jogos. À luz destes números, a não qualificação automática de Portugal não significa de per si uma anormalidade.
4. As três derrotas nestes últimos seis prélios não constituem algo de absolutamente inesperado. Mais surpreendente foi a dimensão diferencial dos resultados negativos verificados em Skopje e Riga, onde a produção ofensiva da nossa Selecção foi muito modesta, com um sub-rendimento decisivamente penalizador das nossas aspirações.

Posso não classificar particularmente entusiasmante e credível a actual − e já longa, demasiado longa? − liderança máxima da Federação Portuguesa de Basquetebol. Mas creio ser justo realçar a atenção e o carinho que os responsáveis técnicos federativos têm dedicado às selecções nacionais dos mais diversos escalões. Reconheço que não estou na posse de toda a informação, mas sinto que a organização dos estágios e dos torneios preparatórios, e o acompanhamento técnico e clínico têm decorrido − certamente que num contexto de limitações orçamentais − com a eficácia e a dinâmica possíveis. Acontece que o espectro de recrutamento da nossa Selecção sénior é limitado − pela dimensão demográfica do país, pelo crónico mas melhorado condicionamento do número de praticantes de estatura e envergadura elevadas, e pela exagerada contratação de atletas estrangeiros.

Pretendo desta forma concluir que, no actual contexto estrutural do basquetebol português, não teria sido expectável uma performance de muito maior sucesso da Selecção Nacional na poule de qualificação para o “Polónia 2009”. Embora pense − como muitos outros − que poderia ter decorrido assinalavelmente melhor.

Importa assim, e fundamentalmente, transformar e melhorar a realidade, dos alicerces até ao cume. Como?
- aumentando o número de praticantes
- incrementando a prospecção nas escolas
- limitando a contratação de jogadores estrangeiros
- melhorando a formação de treinadores e de dirigentes
- apoiando a prática da modalidade num número crescente de clubes
- credibilizando as competições nacionais.

Sei − sabemos − que é fácil criticar e reprovar. Reconheço − reconhecemos − que é mais simples e mais cómodo propor do que concretizar. Mas é justo e legítimo que o Basquetebol se assuma com mais vigor e maior distinção no panorama desportivo nacional. E que lute − agora que o Hóquei em Patins perdeu atracção e visibilidade − pelo estatuto de segunda modalidade, em disputa directa com o Andebol, o Futsal e o Voleibol.

Regressando ao Barreiro, e para finalizar esta peça que já vai longa, o FC Barreirense (Liga Portuguesa de Basquetebol), o Galitos FC (Proliga) e o GD da Escola Secundária de Santo André (Liga Feminina) aprestam-se para iniciar oficialmente mais uma época desportiva. Com as presentes dificuldades económicas e financeiras − que varrem o nosso país, mas não só − avolumam-se as dificuldades dos clubes desportivos. Os representantes barreirenses nos campeonatos mais representativos vêm a sua situação financeira agravar-se ano após ano. E sobrevivem com enormes sacrifícios e imensos constrangimentos. Mas estou certo de que saberão − uma vez mais − dignificar o Barreiro e o Basquetebol.


[DESPORTO À PORTUGUESA, www.rostos.pt]