quarta-feira, janeiro 28, 2009

Memória Barreirense (conclusão)



A Autarquia e Nós

O Artigo 46º da nova Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, aprovado na Assembleia da República a 7 de Dezembro de 2006 e publicado em Diário da República de 16 de Janeiro de 2007 (1ª série, Nº 11, págs. 356-363), veio recolocar na ordem do dia a problemática do apoio das autarquias ao desporto profissional. Pode aí ler-se no ponto 2 que “Os clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional não podem beneficiar, nesse âmbito, de apoios ou comparticipações financeiras por parte do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, sob qualquer forma, salvo no tocante à construção ou melhoramento de infra-estruturas ou equipamentos desportivos com vista à realização de competições desportivas de interesse público, como tal reconhecidas pelo membro do Governo responsável pela área do desporto”.
Num país em que o triângulo clubes - autarquias - construção civil, tem sido demasiadas vezes associado a processos e interesses pouco legítimos e ainda menos transparentes, impunha-se clarificar e legislar. O que recentemente se concretizou e, como tal, se aplaude.
Creio que não será por via desta alteração legislativa que o FCB verá comprometida a prossecução da sua actividade. Porque, em defesa de uma política desportiva moderna, e de forma estritamente legal, será com toda a certeza possível que a Câmara Municipal do Barreiro continue a apoiar o clube. É verdade que desde a época de 2000/2001, quando passou a integrar a Liga de Clubes de Basquetebol e a disputar a sua Liga Profissional, o FCB tem sido contemplado com apoios financeiros e logísticos da autarquia, mediante a celebração de um Contrato-Programa de vigência anual, orientado para a promoção da modalidade no Concelho do Barreiro. Esse apoio tem vindo a diminuir nos últimos anos e, no biénio 2004-2006, correspondeu aproximadamente aos custos de funcionamento da nossa magnífica escola de formação, compatibilizando-se de forma estratégica e consequente a democratização da prática da modalidade a algumas centenas de jovens, com a concretização de elevados níveis competitivos traduzidos na conquista de 7 títulos nacionais.
Esta Lei que “define as bases das políticas de desenvolvimento da actividade física e do desporto” (Artigo 1º), especifica no seu Artigo 5º que “o Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais promovem o desenvolvimento da actividade física e do desporto em colaboração com as instituições de ensino, as associações desportivas e as demais entidades, públicas ou privadas, que actuam nestas áreas”. E no Artigo 6º, ponto 1, atribui-lhes a responsabilidade de “promoção e generalização da actividade física, enquanto instrumento essencial para a melhoria da condição física, da qualidade de vida e da saúde dos cidadãos”, para o que (ponto 2, alínea a) deverão ser adoptados programas que visem “criar espaços públicos aptos para a actividade física”. Ainda no âmbito das políticas públicas (Capítulo III), o Artigo 7º afirma no ponto 1 que “incumbe à Administração Pública na área do desporto apoiar a prática desportiva regular e de alto rendimento, através da disponibilização de meios técnicos, humanos e financeiros, incentivar as actividades de formação dos agentes desportivos e exercer funções de fiscalização” e o Artigo 8º aborda os termos da política de infra-estruturas e equipamentos desportivos. Quer isto dizer que as autarquias têm responsabilidades bem definidas na área do desporto e que não se podem eximir de as cumprir.
No interessantíssimo estudo “As melhores cidades portuguesas para viver” efectuado pelo Expresso e publicado na edição de 6 de Janeiro de 2007, o Barreiro ocupa um penoso 39º e penúltimo lugar entre as 40 cidades avaliadas. Curiosamente, de um total de vinte itens considerados para valorização, a pontuação obtida no capítulo “equipamentos desportivos” (55 pontos para um limite de 100), colocou a nossa cidade no 20º lugar, em igualdade pontual com mais oito cidades, mas longe dos 70 pontos de Braga e Porto, as duas primeiras classificadas nesse parâmetro. Ou seja, apesar das carências e lacunas que persistem, nomeadamente em termos de espaços para treino, formação e desporto de lazer, há um conjunto de equipamentos que têm alguma qualidade e uma taxa de ocupação muito apreciável.
O apoio ao desporto escolar, realidade ainda tão frágil em Portugal, como se documenta no relatório “Desporto Escolar: Um Retrato”, estudo coordenado por Luís Capucha e apresentado publicamente em 17 de Janeiro de 2007, é uma competência que a nossa autarquia saberá certamente prosseguir. Mas é igualmente necessário que todas, ou pelo menos as principais forças políticas, assumam uma posição clara e coerente a propósito dos objectivos e limites do apoio aos clubes desportivos do Barreiro. Pulverizar um bolo financeiro cada vez mais pequeno por uma miríade de clubes de dimensão, capacidade e eficácia muito distintas, pode ser a cada momento uma forma politicamente correcta de actuar. Mas a política, séria e responsável, impõe escolhas e opções, corajosas e nem sempre fáceis. Escolhas e opções que deverão decorrer de uma análise adequada dos projectos apresentados e de uma avaliação criteriosa da sua exequibilidade. E, nos casos seleccionados, com controlo e fiscalização exigentes da sua aplicação e concretização. Deverá ser assim. Será que foi sempre assim?
Pelo seu curriculum vitae o FCB tem feito jus aos apoios reivindicados e obtidos da autarquia. Os dirigentes e os associados aspiram naturalmente a mais e melhores contributos, sabendo obviamente reconhecer as dificuldades financeiras presentes e o mérito de alguns outros projectos desportivos. Com mais ou menos slogan – Barreiro Cidade Desportiva, Barreiro Cidade da Participação – impõe-se a celebração de Contratos-Programa justos, racionais e exigentes, entre a autarquia e o FCB, com observância absoluta dos requisitos contemplados na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Artigo 47º).
O FCB é, sem margem para dúvidas, o clube mais representativo do Concelho e, nessa conformidade, assume uma legítima vontade de que os eleitos autárquicos correspondam de forma clara e consequente a direitos e deveres, consignados na Constituição da República. É esta argumentação que o clube deve esgrimir. É esta responsabilidade que a Câmara Municipal do Barreiro tem de assumir. Pelo Desporto e pelo Barreiro!


Esperança para Vencer

Iniciei o primeiro capítulo deste livro citando Romain Rolland: “Pensamento que não age ou é aborto ou traição”. E que também utilizara aquando da publicação dos artigos “Barreirense: que futuro?” (Jornal do Barreiro, edições de 1 de Dezembro de 2006 a 2 de Fevereiro de 2007). A frase, conscientemente escolhida e assumida após breve hesitação inicial, parecia-me ao mesmo tempo suicida e assassina.
Suicida, porque ao decidir escrever uma reflexão que o Jornal do Barreiro amavelmente publicou ao longo de dez semanas, e que aqui reproduzi de forma quase absoluta, tive a consciência de que alguns prontamente se apressariam a ver nesse trabalho a tradução de uma ambição presidencial, o embrião de uma programa eleitoral. E que outros o poderiam interpretar como uma vontade de protagonismo pessoal, uma manifestação desmedida de vaidade. A uns e outros, tenho que confessar o quanto estão enganados. Recordo a última reunião de Direcção em que participei (Abril de 2006) quando perante Manuel Lopes e restantes companheiros assumi, com manifesta desilusão e emoção, a incapacidade pessoal e profissional, de prosseguir a minha participação nos Órgãos Sociais, não podendo integrar a lista que então se preparava para o acto eleitoral próximo. Completados 50 anos de filiação, tenho a consciência do quanto devo ao FCB, por todos os momentos de emoção e alegria que me propiciou, pelo conhecimento de tanta e tão boa gente, pela aprendizagem da importância do associativismo na minha vida individual e colectiva. Por isso prometi nessa noite continuar a ajudar o meu clube de sempre, dentro de possibilidades e limites que são e serão sempre por mim determinados, e não por terceiros.
Assassina, porque muitos dos que se entretêm a criticar e denegrir, de forma leviana e quase permanente, aqueles que corajosamente e de forma desinteressada se entregam ao clube – enquanto dirigentes, seccionistas, etc. –, deveriam inflectir a sua acção negativista, derrotista e persecutória, feita de ignorância e/ou má-fé.
Hoje, como no futuro, todos os contributos são e serão necessários para a viabilidade, sustentabilidade, engrandecimento e perenidade do FCB. Foi numa perspectiva sincera e genuinamente empreendedora que, ao longo desse texto, exprimi um conjunto vasto de reflexões, opiniões, ideias, propostas, lamentos e ilusões. E que apenas a mim comprometem. Como então prometi, tentei “de forma despretensiosa mas construtiva, aprofundar a dúzia de aspectos supracitados e formular algumas propostas concretas, num contributo que desejo responsável e estimulante, eventualmente merecedor da atenção, crítica e colaboração de um número alargado de Barreirenses”. Não conheço a dimensão real do impacte que as minhas palavras tiveram nos associados e dirigentes Barreirenses, nos responsáveis políticos e autárquicos locais, nos empresários, nos intelectuais e demais leitores que semanalmente lêem o Jornal do Barreiro. Foram vários os amigos que, desde o início, me incentivaram a prosseguir e, mesmo discordando das minhas opiniões, se congratularam por esta iniciativa. Muito gostaria que, depois de mim, outros viessem a terreiro analisar, refazer e aprofundar estas e outras ideias que ao longo de dez semanas fui transmitindo, pelo recurso à palavra escrita, que procurei simples, reflectida, adequada.
Victor Hugo escreveu que “os homens honestos procuram tornar-se úteis, enquanto os intriguistas tentam apenas ser necessários”. Será através do contributo mais activo e alargado dos seus Associados, do talento, criatividade, empenhamento e bom senso dos seus Dirigentes, e da capacidade de diálogo e colaboração solidária, harmoniosa, transparente e moderna, com a Câmara Municipal do Barreiro e com os Agentes Económicos da Cidade, que o FCB poderá ultrapassar as graves dificuldades e constrangimentos actuais. E prosseguir um percurso desportivo de mérito na formação e na alta competição, um desempenho de relevo na sociedade Barreirense, um estatuto de Utilidade Pública tão legitimamente adquirido. Caso contrário, não estarão criadas, em minha opinião, as condições mínimas para a prossecução de objectivos desportivos competitivos semelhantes aos actuais, e o FCB será obrigado a recuar para patamares bem menos ambiciosos, de alcance e consequências ainda muito pouco discutidas e consciencializadas pela imensa maioria dos Barreirenses.
Duas breves notas finais.
Primeira: um agradecimento. Aos Barreirenses. Os que fundaram este clube a 11 de Abril de 1911. E a todos os que contribuíram e contribuirão para o seu crescimento e afirmação no panorama desportivo nacional.
Segunda: um apelo. Que os Órgãos Sociais estimulem, com a premência que o contexto me sugere, uma reflexão séria, profunda e participada acerca do presente e do devir do FCB. Um FCB com Projecto. Um FCB com Futuro!

Eternamente Barreirense!
Barreiro, 11 de Janeiro de 2008

[Conclusão do Capítulo VIII - Amanhã
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]