quinta-feira, janeiro 15, 2009

Memória Barreirense (XLIII)


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De outros ‘futebóis’

O internacional uruguaio Henrique Raul Câmpora, natural de Montevideu, foi o futebolista estrangeiro de melhor qualidade que vi representar o FCB. Chegou a Portugal a 8 de Maio de 1970 proveniente do Sport Recife (Brasil). No dia seguinte, Carlos Ramildes, de A Bola, publicou uma entrevista em que o atleta afirmou “gosto de meter a brasa” [jogar no duro]. Câmpora foi de facto um jogador duro, às vezes irascível, mas quase sempre leal. Aliou essa dureza a uma combatividade invejável e a uma execução técnica acima da média. Foi um grande médio-ofensivo. Lembro-me da sua chegada ao topo norte do ‘Manuel de Mello’, no dia 10 de Maio de 1970, para presenciar um FCB-Oriental (1-1), a contar para a Taça Ribeiro dos Reis. Prosseguiu mais tarde, com assinalável êxito, a sua carreira ao serviço do Vitória de Setúbal. Vim a travar uma relação de amizade com Câmpora. Fomos colegas de equipa num Torneio de Verão de Voleibol (!) organizado pelo FCB. Radicou-se no Barreiro, com actividade profissional na área da construção civil.
Na época de estreia de Câmpora no FCB, chegou ao Barreiro um jovem brasileiro de 20 anos, natural do Rio de Janeiro, Manuel Resende de Matos, Nelinho. Foi um caso atípico e enigmático. Treinado primeiro pelo seu compatriota Edsel Fernandes (que foi meu professor de Educação Física no Liceu Nacional de Setúbal - Secção do Barreiro) e depois por Artur Quaresma, que lhe sucedeu após inevitável ‘chicotada psicológica’. Vi-o marcar 6 (!) golos num jogo de reservas. Por uma lesão antiga ou por má adaptação, o facto é que Nelinho regressou ainda nessa temporada ao Brasil. E em 1974 foi titular do Brasil no X Campeonato Mundial de Futebol realizado na República Federal da Alemanha, ganho pelo país anfitrião e onde o Brasil, já sem Pelé, Gerson e Tostão, não repetiu a proeza de 1970, terminando em modesto 4º lugar.
Também originário da Terra de Vera Cruz, o avançado Jarciel representou o FCB de 1988 a 1991. Proveniente do Paulistanos do Brasil, chegou a Portugal com apenas 22 anos. Creio que tinha talento suficiente para uma carreira de sucesso, mas uma lesão no joelho direito cuja recuperação pós-cirúrgica não foi total, limitou-lhe a progressão para que parecia vocacionado e atirou-o para divisões inferiores, numa carreira curta e discreta, sem títulos e sem glória.
Recordo-me ainda, embora vagamente, do talentoso Azumir, avançado brasileiro que em 1964 vi erguer na qualidade de capitão a Taça de Campeão Nacional da II Divisão, numa final disputada em Leiria, em que o FCB venceu o Tirsense por 3-1.
Dois outros estrangeiros de inegável qualidade, e que nunca vi jogar, foram curiosamente atletas do FCB no ano do meu nascimento. Refiro-me a Oñoro e a Fabian. Angel Dias Oñoro, avançado espanhol nascido em Sevilha, veio para o Barreiro na época de 1955/1956, proveniente do Hércules de Alicante. Foi mais tarde treinador do clube, temporada de 1964/1965, quando ficou ligado a mais uma subida à I Divisão. Josef Fabian, avançado húngaro, jogou no Torino de Itália e no Sporting, de onde chegou para representar o FCB no biénio 1955-1957.
As condições financeiras do FCB ao longo da sua história foram sempre muito limitadas, pelo que não se estranha o facto de o clube apenas episodicamente ter conseguido adquirir futebolistas estrangeiros de qualidade mais relevante. As nossas equipas foram sendo quase sempre estruturadas a partir de atletas provenientes da formação e, reforçadas maioritariamente por outros portugueses, naturais do continente ou oriundos das então designadas províncias ultramarinas. A partir da década de 80, a aquisição de futebolistas brasileiros foi mais habitual, mas invariavelmente a baixo custo e de qualidade sofrível.
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Diáspora

A esmagadora maioria dos maiores vultos do basquetebol do FCB dos anos 30 a 60 conheceram um só amor. Berardo Soeiro e os irmãos Albino e José Macedo foram alguns dos muitos que se mantiveram eternamente fiéis ao nosso clube.
Berardo Soeiro “um exemplo raro de dedicação clubista e de longevidade na prática do desporto” (Jornal do Barreiro, de 18 de Outubro de 1951) foi o primeiro grande basquetebolista Barreirense. No Jornal do Barreiro de 24 de Janeiro de 1952, Alfredo Zarcos dedicou-lhe palavras altamente elogiosas aquando do seu abandono como atleta.

Dos numerosos títulos que ilustram a sua longa carreira, dois avultam pela grandiosidade que os distinguem e colocam o atleta num plano raramente atingido: o da longevidade desportiva e o da fidelidade clubista de que Soeiro é autêntico campeão.
Vinte e cinco anos a jogar basquetebol, cingindo sempre ao peito numa leal e generosa dedicação a camisola rubro-branca do seu clube de sempre. (...)
A sua ascensão foi rápida, fulgurante e breve o jovem basquetebolista se cotava como o melhor entre os melhores marcadores nacionais. (...)
E os anos foram rolando épocas sobre épocas passam e Soeiro sempre igual a si mesmo, brilhante e dedicado, jovem e valoroso, mantém-se inalterável afirmando uma classe excepcional que o conduz à internacionalização. (...)
Os anos não perdoam e hoje Soeiro, com quarenta já feitos, apesar de ser ainda uma utilidade dentro da cuidada organização que ao Barreirense merece o basquetebol, sente chegada a hora da retirada.

Vi partir muitos basquetebolistas para outros clubes. Melhores condições financeiras (quase sempre) e projectos desportivos mais ambiciosos (algumas vezes), foram razões fortes e muito respeitáveis que determinaram a saída, às vezes com bilhete de retorno, de alguns dos nossos maiores talentos. Esta foi uma tendência que se consolidou com a evolução da modalidade para padrões de semi-profissionalismo ou mesmo de profissionalismo. Recordo, por ordem alfabética, Álvaro Mota, António Minhava, António Pires, António Tavares, Carlos Freire, Diogo Carreira, Eugénio Silva, Fernando Carreira, Henrique Pina, Hugo Pedrosa, João Betinho Gomes, João Moura, Joaquim Saiote e Miguel Minhava.
Alguns, felizmente poucos, dos atletas que nos representaram e foram inclusivamente campeões nacionais pelo FCB, esquecem-se do seu passado e apresentam por vezes desculpas, no mínimo inconsistentes, para afastamentos e ingratidões, que me parecem criticáveis. Há cerca de dois anos, ouvi um antigo campeão nacional pelo FCB criticar a constituição da nossa equipa sénior por, em sua opinião, ter poucas referências locais; quando mais de metade do nosso plantel era procedente da formação. O Benfica, clube do seu coração, veio pouco depois ao Barreiro (4 de Abril de 2006), em jogo a relativo à 35ª jornada da fase regular da Liga Profissional. Dos sete jogadores utilizados nessa partida, nada menos de cinco eram de proveniência norte-americana, um de origem cabo-verdiana e o sétimo… o ex-FCB Miguel Minhava. Engraçado!
Também nem sempre apreciei o comportamento de alguns dos nossos ex-atletas, quando nos defrontaram. Não se critica a sua legítima aspiração, desportiva e financeira, num mundo tão globalizado e onde os valores materiais ganharam claro ascendente. Mas não confundamos profissionalismo com manifestações, desajustadas e infantis, de arrogância e soberba. Bem sei que não são muitos os desportistas com a estatura e a elevação de um Rui Costa. É algo que, concluo, se aprende melhor nos caminhos nem sempre lineares e fáceis da Vida, do que nos bancos da Universidade…

Bem mais antiga e dominante foi a atracção que os maiores clubes nacionais exerceram sobre os futebolistas do FCB que foram mostrando credenciais desde os escalões de formação, ou em fases ainda iniciais dos seus percursos profissionais.
Bento, Jorge Silva e Neno foram guarda-redes de enorme qualidade. Dos quais presenciei grandes exibições ao serviço do FCB. Prosseguiram carreiras de sucesso e foram internacionais. Adolfo, Frederico e Jorge Ferreira foram defesas de muito valor que acompanhei nos anos 60 e 70 e que o FCB projectou para clubes de outra dimensão, onde também alcançaram a internacionalização. Carlos Manuel – “herói de Estugarda” – e Valter, actual treinador da equipa sénior, foram médios de inegável dimensão, ambos internacionais, exemplares na determinação e empenho com que disputavam cada lance e na eficácia com que transportavam a bola para o ataque. Chalana foi o mais talentoso de todos. Integrou os seniores do FCB aos 16 anos. Um extremo-esquerdo invulgar que me fascinou em treinos admiráveis no ‘Manuel de Mello’ e que o infortúnio das lesões e outras agruras da vida afastaram precocemente dos relvados.
Não vi jogar in loco outro grande avançado do FCB, o meu amigo e ‘magriço’ José Augusto, certamente um dos mais velozes e consequentes extremos-direitos do futebol português. Como não vi, obviamente, outros grandes vultos dos anos 20 a 50. Mas que a História não esquece. Como os guarda-redes Carlos Gomes, Francisco Câmara, Francisco Silva e João Azevedo, os defesas Eduardo Reis Casaca e Raul Pascoal, os médios Álvaro Pina, Francisco Moreira e Ricardo Vale e os avançados Albano, Armando Ferreira, Arsénio, João Silva Faia, João Pireza, Pacheco Nobre, Pedro Pireza e Raul Jorge.
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Não se medem aos palmos

Foram duas individualidades muito peculiares no universo Barreirense. De baixa estatura física.
António Soeiro Caco, nascido em Lisboa a 4 de Abril de 1911, veio com apenas 2 anos, para o Barreiro. Durante algumas décadas, foi roupeiro do FCB e guarda do ‘Manuel de Mello’, residindo num espaço exíguo nos baixos da curva noroeste da sua bancada. Conheci-o pessoalmente. Tantos anos de ‘balneário’ granjearam-lhe enorme simpatia em gerações sucessivas de futebolistas, cujos equipamentos e calçado foi tratando com o máximo desvelo. Gabava-se de, logo à chegada de um novo recruta, lhe adivinhar a sua qualidade, pela forma de se calçar. Creio que não poucas vezes acertou em cheio na sua capacidade premonitória. Foi um Homem simples, competente e responsável. Um grande Barreirense!
Muito pequeno pela sua acondroplasia, o Toino Anão foi uma personagem incontornável da história do FCB e também do Barreiro. Cauteleiro de profissão foi agente de prosperidade financeira para alguns conterrâneos mais sortudos ao jogo. Espalhou simpatia e carisma por toda a vila, depois cidade. Mas algumas crianças não lhe achavam lá muita graça… Grande apaixonado pelo FCB, foi presença regular nos palcos onde as nossas equipas de futebol, e também de basquetebol, se exibiram. O meu tio José Alves, seu particular amigo, aproveitava para com ele gracejar, sempre que se cruzavam. Recordo-me de o ver no Ginásio-Sede, nos grandes momentos de celebração de algumas vitórias históricas do nosso clube. Apesar da sua estatura, havia sempre uns ombros mais fortes e disponíveis ou um parapeito mais a jeito, por onde se projectava e destacava. Foi um ícone Barreirense!

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[Conclusão do Capítulo VII - Lugar no Pódio
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)

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