sábado, janeiro 17, 2009

Memória Barreirense (XLIV)


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Uma esperança que não finda
Uma fé que tudo vence!
Um valor mais alto ainda
Um só nome: Barreirense!

Jorge Soares
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2 de Fevereiro de 2007

Completei nessa data a publicação no Jornal do Barreiro de uma série de textos subordinados ao tema “Barreirense: que futuro?”. A reflexão que apresentei ao longo de dez semanas decorreu do impulso inicial de escrever um artigo de opinião. Rapidamente me apercebi de que havia ‘pano para mangas’ e que se justificaria algum desenvolvimento complementar dos diversos aspectos abordados na prosa inaugural. E assim redigi a sequência de artigos que o prestigiado periódico teve a amabilidade e deferência de publicar. Não pretendi fazer um trabalho exaustivo acerca do tema, mas apenas levantar algumas questões e, eventualmente, suscitar polémica. Procurei ser claro e simples, exigente e construtivo, na forma e no conteúdo.
A vontade de pensar o Barreirense e o propósito de desafiar os Barreirenses para uma reflexão séria, profunda e participada, não pareceram particularmente estimulantes. Não assinalei qualquer posterior contributo, publicado naquele órgão de comunicação, ou em qualquer outro. Chegaram-me apenas alguns comentários, genericamente favoráveis e encorajadores. Mas nada mais…
Ainda assim, considero a minha intervenção positiva e apropriada. Por isso resolvi incorporá-la neste livro. O seu conteúdo está aqui reproduzido praticamente na íntegra. Corrigi apenas alguns pormenores ou imprecisões, que o tempo entretanto decorrido impôs.
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A questão

Será o FCB um clube com futuro? A pergunta, aqui e agora formulada com descarada crueza e frontalidade, poderá ser entendida por alguns como despropositada e provocatória, mas oportuna e estimulante por outros.
Com uma história de mais de 96 anos, o percurso do FCB tem sido, de forma consequente e inquestionável, a afirmação de uma “Instituição de Utilidade Pública” que conquistou por direito próprio um lugar destacado no desporto português. Desde a sua fundação, embora financeiramente pobre e estruturalmente frágil, o FCB foi sempre um clube com uma forte mística e ambição. O futebol e o basquetebol – as duas modalidades mais representativas e significantes para o universo dos associados e adeptos Barreirenses – tiveram ao longo da sua história, como seria expectável numa instituição quase centenária, momentos de maior vigor e excelência que alternaram com períodos de menor fulgor e destaque. No presente, a nível sénior, o basquetebol prossegue, ainda que com manifesta dificuldade, o seu percurso no patamar competitivo mais elevado. Mas o futebol disputa o 4º escalão nacional, não se vislumbrando a possibilidade de nos próximos anos estabilizar em níveis claramente superiores.
Num tempo em que Portugal continua a defrontar-se, ainda que com sinais positivos de recuperação, com dificuldades financeiras e orçamentais e a recuperação económica tarda em consolidar-se, a generalidade dos clubes desportivos acusa evidentes sinais de fragilidade e dependência. Alguns pereceram, outros têm a morte anunciada, muitos revelam uma viabilidade manifestamente comprometida. Década após década, governo após governo, tem-se assistido à incapacidade de definição de uma política desportiva nacional consistente, alicerçada no crescimento racional das infra-estruturas e na promoção efectiva do desporto escolar, do ensino básico ao universitário. As autarquias têm desempenhado um papel importante, e vêem constituindo um suporte decisivo para a actividade de muitos clubes, umas vezes de forma coerente e sustentada, outras vezes concretizada com demagogia e ‘cinzentismo’. A nova Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, publicada em Diário da República no início de 2007, condicionará uma maior exigência e transparência no apoio autárquico à prática desportiva, nomeadamente na sua vertente profissional. Por outro lado, os responsáveis desportivos, quantas vezes diletantes e arrivistas, verão progressivamente aumentada a sua co-responsabilização na condução financeira e fiscal dos clubes que representam e dirigem.
É neste contexto de dificuldades e constrangimentos económico-financeiros e de um novo enquadramento legal, que importa reflectir acerca do futuro do FCB. Tenho, desde há algum tempo, a convicção, reforçada e amadurecida pela minha passagem pelos seus Órgãos Sociais, de que é urgente e inadiável uma análise profunda e rigorosa, séria e participada. O nosso clube tem massa crítica capaz de assumir tão importante desafio, associados dedicados e competentes para assegurar o seu devir próximo. O FCB do século XXI deverá ser:
- conceptualmente criativo
- desportivamente ambicioso
- estruturalmente realista
- administrativamente moderno
- política e financeiramente independente.
Alguns conceitos programáticos deverão servir de fundamento para uma acção consequente. Assim, importa em minha opinião:
- analisar e reforçar a matriz e identidade do clube
- promover uma revisão estatutária
- definir uma nova política desportiva
- modernizar a organização administrativa
- projectar a estrutura e dimensão das instalações desportivas
- fomentar o crescimento da massa adepta e associativa
- renovar as áreas de comunicação, imagem e merchandising
- melhorar os índices de democraticidade e participação
- incrementar a inserção na juventude Barreirense
- reformular o contrato-programa com a autarquia
- atrair e conquistar o tecido empresarial
- aprofundar a ligação aos agentes culturais.
Tentarei nas páginas seguintes, de forma despretensiosa mas construtiva, aprofundar a dúzia de aspectos supracitados e formular algumas propostas concretas, num contributo que desejo responsável e estimulante, eventualmente merecedor da atenção, crítica e colaboração de um número alargado de Barreirenses.
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Uma Matriz, uma Identidade

Quando em 11 de Abril de 1911, numa minúscula e sombria casa situada na Avenida Almirante Reis, um grupo de Barreirenses presidido por Francisco Augusto Nunes Vasconcelos fundou o Foot-Ball Club Barreirense, poucos terão sido os que anteciparam estar no limiar de um clube que, nas bonitas e generosas palavras de José Rosa Figueiredo “se dilatou para além das ambições dos seus modestos pioneiros e a quem os mais optimistas jamais augurariam uma tão longa existência e tão recheada de feitos que muito a enobreceriam e à terra que lhe foi berço”.
Com uma história quase centenária, protagonizada por muitos milhares de cidadãos, o FCB foi na sua matriz fundadora, e assim tem permanecido, um clube popular, democrático e independente.
Os casapianos, ferroviários, comerciantes, industriais, estudantes e intelectuais que estiveram na sua génese, foram o prenúncio de uma colectividade pluri e inter-classista, mas genuinamente popular. Ao longo de mais de 96 anos, o FCB tem sabido manter esse vínculo tão verdadeiro, claro e estratégico com o Povo do Barreiro, crescendo gemelarmente com ele, abraçando-o nos momentos de vitória, e com ele sofrendo as vicissitudes e as desilusões das derrotas e dos insucessos. Demos voz, alegria e identidade ao Barreiro e aos Barreirenses. Somos parte da sua História. O Barreiro orgulha-se de nós!
Temos sido o paradigma de um clube democrático. Com respeito pelos Estatutos, Direcções sufragadas e legitimadas pelo voto dos sócios, Assembleias-Gerais livres e participadas. Mesmo nos momentos de impasse e vazio directivo, as Comissões Administrativas, conjunturalmente constituídas e intrinsecamente provisórias, foram sempre atentamente escrutinadas pelos associados.
Temos sido um clube independente. Percorremos o Estado Novo sem qualquer identificação com o regime ditatorial. E, quando alguns dos seus prosélitos integraram os Órgãos Sociais do FCB, fizeram-no ao serviço do clube, acima das suas legítimas mas criticáveis convicções políticas e doutrinárias. Após o 25 de Abril, soubemos combater e impedir, com coragem e determinação, a deriva irresponsável e totalitária que tudo e todos quis influenciar e dominar. Numa fomos dependentes do poder económico. A heróica construção do Ginásio-Sede, cujo cinquentenário se celebrou em Maio de 2006, foi um exemplo magnífico do impulso sonhador, da vontade, da mística e da capacidade empreendedora da nossa massa de associados e adeptos, um testemunho inexcedível da comunhão do FCB com o Barreiro. Reconhecemos o extraordinário contributo que alguns associados prestaram ao longo da nossa história e que foi, em momentos de crise e de estrangulamento financeiro, o garante da viabilidade do clube, da sua renovação e perenidade. Mas soubemos identificar os oportunistas que episodicamente quiseram servir-se do FCB e afastámo-los do nosso seio, sem hesitação e sem prejuízos ou danos irreparáveis.
Nunca fomos um clube-satélite. Sabemos que parte da nossa massa adepta e associativa nutre também uma simpatia particular por algum dos ‘grandes’ do desporto português. Mas nunca nos vergámos ao seu peso e influência. Fomos, somos e continuaremos a ser, alfobre de grandes atletas, treinadores e dirigentes que nasceram e cresceram no Barreirense. Alguns, projectaram nesses clubes, o local presumivelmente mais adequado para amadurecer e potenciar as suas capacidades competitivas e melhorar a sua condição económica.
Temos orgulho da nossa obra, do contributo para a formação cívica e desportiva de sucessivas gerações de cidadãos, de todos eles, dos que sempre permaneceram entre nós e daqueles que optaram pela diáspora. Somos, como pretendi demonstrar, um clube popular, democrático e independente. Com história e com obra. Com mística e com ambição.
É verdade que o conhecimento do nosso curriculum vitae é fundamental para se compreender a nossa Matriz e a forma serena, estóica e consequente como fomos forjando a nossa Identidade. O livro 70 Anos de Vida do Futebol Clube Barreirense de José Rosa Figueiredo, os espólios de Alfredo Zarcos (doado por seu filho à Câmara Municipal do Barreiro) e de Carlos Silva Pais (regularmente divulgado nas páginas do Jornal do Barreiro), são alguns exemplos de fontes que considero fundamentais para o aprofundamento desse conhecimento. Mas está ainda por fazer a História do FCB. A narração de todas as suas modalidades, dos seus mais ilustres protagonistas, dos momentos de glória e dos períodos de ocaso. A análise fria, rigorosa e científica, que apenas os académicos estão apetrechados para concretizar. Um tema para Tese de Mestrado, porque não?
Ao aproximar-se de forma célere do seu centenário, o FCB debate-se com dificuldades financeiras, limitações estruturais, dúvidas existenciais e divisões internas, que podem tolher o futuro, próximo e distante, e comprometer o seu crescimento e desenvolvimento. Todos não seremos demais para prosseguir o nosso belo destino colectivo. Sabemos quantos somos [Novembro de 2006]: 5.018 associados. Sabemos também que 1.452 (29%) são menores de 18 anos, que apenas 755 (15%) são mulheres e que escassos 410 (8%) residem fora do Concelho do Barreiro. Mas pergunto:
- quem são os Barreirenses?
- como vêm o FCB?
- o que querem os Barreirenses?
- como projectam o FCB do século XXI?
E interrogo-me ainda:
- quantos são estudantes?
- quantos são trabalhadores no activo e em que actividades profissionais?
- quantos são os aposentados e reformados?
- qual a sua ligação, passada ou presente, ao clube?
- qual o seu grau de instrução?
- qual a sua condição económica?
- quais os seus hobbies predilectos?
- que outra simpatia clubista?
Este estudo do nosso clube, demográfico e sociológico, aqui muito sumariamente esboçado, mas que considero necessário e inadiável, deverá constituir uma ferramenta imprescindível para a definição e a clarificação da nossa Identidade, a forma mais rigorosa e científica de conhecermos o sentir e o pulsar daquilo que é a principal riqueza e património do FCB, a massa associativa.
Paralelamente a este trabalho de campo, defendo ainda a necessidade de constituição de um grupo de reflexão que, devidamente credenciado e mandatado em Assembleia-Geral, proceda à análise e discussão da situação presente do Barreirense e à projecção dos caminhos do futuro. O desafio está lançado…

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[Excerto do Capítulo VIII - Amanhã
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)