terça-feira, janeiro 13, 2009

Memória Barreirense (XLII)



Amigo Mike

Proveniente do Saginaw Vallery State College, Mike Plowden foi um dos atletas norte-americanos mais marcantes da história do Barreirense Basket. O mais popular entre todos, e ainda hoje residente no Barreiro. Brilhante na luta das tabelas, com ‘apenas’ 1.99m, foi o melhor ressaltador na sua primeira temporada em Portugal (1980/1981), tendo obtido o recorde fantástico de 25 ressaltos num só jogo. Contribuiu nessa época com 49% dos ressaltos e 20% dos pontos da equipa. Permaneceu no FCB até 1985, transferindo-se então para Lisboa, onde foi um dos pilares dos títulos nacionais obtidos pelo Benfica e da brilhante participação na Taça dos Campeões Europeus. Assisti no Pavilhão do Benfica a algumas extraordinárias prestações de Mike Plowden, Carlos Lisboa, Jean Jacques, Steven Rocha, Guimarães, perante grandes colossos do basquetebol europeu.
Na época de 1997/1998, e já em final de carreira, Mike Plowden regressou ao FCB. E com Damian Cephas, Carlos Freire, Nuno Silva, Alexandre Almeida, Jorge Ramos e outros, contribuiu decisivamente para o 2º lugar no Campeonato Nacional da I Divisão (segunda competição nacional). O FCB não exerceu então o direito desportivo de participação na Liga Profissional. Mike Plowden desempenhou mais tarde o cargo de treinador de Minibasket no FCB, onde pelo seu enorme carisma e simpatia despertou para a modalidade dezenas e dezenas de jovens, entre os quais o meu filho.
Em Janeiro de 2006, em tarde de um clássico FCB-Benfica – com honras de transmissão televisiva –, Mike Plowden foi alvo de uma homenagem. Na qualidade de Director da Secção de Basquetebol, organizei essa cerimónia com outros valiosos contributos, de que destaco Manuel Fernandes, seu treinador no FCB e grande responsável pela evolução técnico-táctica nos primeiros anos de permanência em Portugal. A esse propósito escrevi alguns dias depois no Jornal do Barreiro:

No passado dia 29 de Janeiro de 2006, por iniciativa da Secção de Basquetebol do FC Barreirense, o ex-atleta internacional Mike Plowden foi alvo de uma simples mas justíssima homenagem.
No intervalo do espectacular Barreirense-Benfica, brilhantemente vencido pela nossa equipa por 99-82, Mike ouviu palavras elogiosas da sua prestação desportiva, recebeu diversas ofertas do Presidente da Câmara Municipal do Barreiro Carlos Humberto, da Vereadora Regina Janeiro e dos dirigentes do clube Paulo Calhau e António Libório.
O aplauso unânime, vibrante e emocionado dos cerca de quinhentos espectadores que se deslocaram ao Pavilhão Luís de Carvalho, atletas, treinadores e dirigentes das duas equipas que o valoroso atleta tão dignamente representou, traduziram a imagem positiva que ainda perdura entre os amantes da modalidade.
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De terras do Tio Sam

Em 35 anos de presenças regulares de atletas norte-americanos no Barreiro, foram muitos os que me contemplaram com prestações desportivas de elevada categoria, contribuindo decisivamente para os bons resultados que o FCB foi alcançando de forma recorrente.
Um ano antes da chegada de Mike Plowden a Portugal, outro extraordinário norte-americano espalhara invulgar talento, virtuosismo e eficácia pelo Ginásio-Sede e outros palcos do basquetebol nacional. Proveniente da Universidade de Denver, Mat Teahan fora considerado o 11º universitário na temporada de 1978/1979 (659 pontos em 28 jogos), mas uma dupla fractura no pé coarctou-lhe as ambições de chegada à NBA. Foi ainda convalescente que Mat Teahan chegou ao Barreiro. Logo no jogo de apresentação, onde obteve 35 pontos, perspectivei a sua enorme qualidade, comprovada ao longo de toda a época. O adversário dessa noite, o Sport Lisboa e Oriental, foi o mesmo perante o qual presenciei no Pavilhão da Ajuda, na tarde de sábado de 26 de Janeiro de 1980, a uma das exibições mais espantosas de Mat Teahan, que apesar dos 53 pontos obtidos não evitou uma desesperante derrota das nossas cores por 109-100.
De uma entrevista ao Jornal do Barreiro de 23 de Novembro de 1979, extraio as suas curiosas palavras: “Ao princípio custou a habituar-me a Portugal e passei algumas noites sem dormir… A vila é um pouco poluída mas eu gosto das pessoas”. Muitos Barreirenses viveram e sofreram as consequências ecológicas de um Barreiro industrializado e poluído. Lamentavelmente a despoluição da nossa cidade resultou sobretudo do seu processo de desindustrialização e não da reconversão da indústria existente e da criação de novas e não poluentes unidades empresariais.

Da numerosa lista de basquetebolistas norte-americanos que representaram o FCB até hoje, torna-se naturalmente difícil seleccionar aqueles que, embora por razões diversas, me deixaram uma memória e uma recordação mais impressivas.
Para além dos atrás citados Earnest Killum e Matt Teahan (anos 70) e Mike Plowden (1980-1985 e 1997/1998), o meu destaque nas duas décadas que precederam a nossa entrada na Liga Profissional (2000) vai para, Arnette Hallman, Ian Stanback, Mike D´Anthony, Mike Yoest, McCatrion, O´Neil e Otto Jordan. Desde a temporada de 2000/2001, coincidindo com a nossa admissão na Liga Profissional, relembro Cortney Scott, Eric Clark, Ian Stanback, Jakim Donaldson Laverne Evans, Nate Fox, Ronnie McCollum, Steffon Bradford e Tyray Pearson. Bons praticantes norte-americanos que contribuíram decisivamente para muitas das vitórias do Barreirense Basket.
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De África e do Leste

Admar Barros, Ângelo Vitoriano, Gerson Monteiro e Nelson Sardinha foram internacionais angolanos que me deixaram boas recordações. Gerson Monteiro, após os Jogos Olímpicos de Atenas (2004), chegou mesmo a integrar um campo de treino dos San Antonio Spurs, mas não veio a alcançar o sonho de ingresso na NBA.
Um outro atleta de origem africana, Luteka Calombo, teve também uma passagem meritória pelo FCB (1996/1997), quando uma equipa que integrava Carlos Freire e Diogo Carreira alcançou as meias-finais do playoff de atribuição do título de Campeão Nacional da I Divisão (o segundo escalão do basquetebol nacional, desde a constituição da Liga de Clubes em 1995/1996).
De todos os basquetebolistas procedentes do Leste Europeu, recordo a sobriedade e a eficácia dos checos Novak e Kovac, que em 1991/1992 tiveram uma boa prestação numa equipa que incluía ainda Greg Chambers e Alexandre Almeida, Henrique Pina e Nuno Murteira. O 8º lugar na fase regular apurou-nos para o playoff, onde perdemos diante do poderoso Benfica – de Carlos Lisboa, Guimarães, Jean Jacques e Mike Plowden.
Mas o mais talentoso foi o lituano Darius Dimavicius, que apesar da veterania dos seus 34 anos, revelou ainda um conjunto de atributos técnicos e uma exemplar leitura de jogo. Que me fizeram entender a razão da sua condição anterior de internacional por uma das grandes potências do basquetebol mundial. Participou nos Jogos Olímpicos de Barcelona (1992). De Darius Dimavicius, extremo-poste de 2.06m, recordo um fabuloso lançamento a partir da linha de lance-livre do meio-campo defensivo (!), ocorrido no Pavilhão Açoreana Seguros na tarde de 14 de Fevereiro de 2003, em que derrotámos o Benfica (89-83). E não esqueço uma falta técnica que lhe foi averbada por António Coelho, árbitro internacional que recentemente deu por terminada a sua qualificada carreira. Em Queluz, a 18 de Abril desse mesmo ano, a sua decisão pareceu-me brutalmente injusta, ainda para mais infligida a um atleta de invejável carácter e impoluto fair play. Quatro anos mais tarde, no Barreiro, abordei António Coelho acerca desse episódio. Depois de um momento inicial de indecisão, relembrou a ocorrência. A explicação que forneceu esteve longe de me sossegar, embora tenha percebido parcialmente as suas ‘razões’.
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Irmãos Brasileiros

Adilson Nascimento chegou a Portugal no início de 1982, para representar o FCB. Dez anos antes, em 11 de Maio de 1972, integrando a Selecção Pré-Olímpica do Brasil em digressão pela Europa, disputou no Pavilhão do Académico Futebol Clube um jogo com um misto do Porto, treinado por Eduardo Nunes, atleta do FCB na década de 50, e que incluía Dale Dover, actualmente um próspero advogado de Manhattan. Com um palmarés invejável – olímpico em Munique (1972) e em Moscovo (1980), 8 títulos de campeão nacional, 7 vezes campeão sul-americano, outras tantas vezes campeão inter-clubes, campeão pan-americano – Adilson Nascimento mostrou na sua passagem pelo basquetebol português, nas temporadas de 1981-1983, um conjunto de qualidades, técnicas e humanas, que não passaram despercebidas aos adeptos da modalidade. Destaco a sua tranquilidade, a certeza de passe, a leitura do jogo, a capacidade de ressalto. O seu sobrinho Flávio Nascimento veio mais tarde para Portugal, onde chegou ainda muito jovem para o FCB. Em 1985/1986 Flávio Nascimento actuou com outro brasileiro de enorme valia e grande marcador de pontos, Wagner Silva. Transitou depois para o Sporting e outros clubes, numa carreira recheada de títulos, onde se evidenciou como um exímio defensor e temível triplista. Numa interessantíssima entrevista à revista Basket (Nº 12, Abril-Maio de 1983) Adilson Nascimento teceu rasgados elogios à organização do basquetebol jugoslavo:

O país que mais me impressionou foi a Jugoslávia. Um país que tem 300.000 atletas inscritos na Federação e é um país que tem infra-estrutura de trabalho impressionante. (…)
O técnico de selecção escolhe os técnicos dos juniores e os das outras categorias, para terem um trabalho comum, até esses atletas chegarem à selecção sénior. No Brasil é diferente, há uma discórdia entre técnico de juniores e de seniores, não se falam, não se dão, então isso atrapalha o trabalho, um trabalho que tem que ser seguido, contínuo e gradativo. (…)
Seria de grande lição se vocês tivessem um contacto com algum dirigente jugoslavo, para que alguma coisa vos fosse mostrada através de cursos. O que eles conseguem fazer dentro desse país, em termos de campeonato, de administração, de formação de atletas, de formação de estruturas, de adaptação em termos financeiros e especificação de uma equipa!

A qualidade da prestação de Adilson Nascimento na inesquecível Final Four de Alvalade perdura na minha memória. Mereceu então as palavras elogiosas de Manuel Castelbranco na Basket (Nº 9, Abril-Maio de 1982):

O brasileiro Adilson foi a grande figura do campeonato, e emprestou ao Barreirense um outro basquetebol, que nós, portugueses, só episodicamente poderemos ver. Ele foi quase tudo na sua equipa. Vimo-lo jogar a base e a extremo, defender os melhores extremos e postes das outras equipas; vencer ressaltos com grande classe, fazer intercepções de lançamentos que levantaram o Pavilhão de Alvalade.
O público, que nestas coisas é sempre o juiz supremo rendeu-lhe, no último jogo, no final, uma grande homenagem ao levantar-se para lhe tributar a maior salva de palmas que já ouvimos a um jogador de basquetebol a actuar em Portugal.

Na segunda temporada no FCB Adilson Nascimento teve a companhia de outro grande vulto do basquetebol brasileiro: Marcelo Vido. Em representação do Ténis Club do Brasil, Marcelo jogou no final de 1992 no prestigiado Torneio Natal do Real Madrid (1982), tradicionalmente transmitido pela RTP, com os comentários sui generis do saudoso João Coutinho, treinador do FCB no início dos anos 60. Marcelo Vido fora considerado o melhor brasileiro do ano. Francisco José, ainda hoje lembrado como um dos mais dedicados dirigentes do Barreirense Basket, deslocou-se expressamente a Madrid para ultimar a transferência do internacional brasileiro, que veio felizmente a concretizar-se. Excelente lançador, Marcelo Vido participou na segunda fase da época regular e contribuiu de forma inegável para o apuramento para a Final Four do Porto, onde factores externos ao jogo terão impedido a obtenção de mais um título nacional.
Quase vinte anos depois, outro internacional brasileiro representou o FCB. Formado em Marketing e Gestão na Universidade de Wayland Baptiste (EUA), Alexey Carvalho chegou a Portugal na temporada de 2001/2002. Apesar de contar 33 anos Alexey Carvalho não sentia o peso da idade porque “… hoje os jogadores estão mais conscientes do seu corpo, cuidam-se mais, trabalham com nutricionistas. Veja-se o caso de Karl Malone, um dos jogadores da NBA que eu mais admiro. Aos 38 anos continua a jogar ao mais alto nível…” (declarações a António Barros, Record de 27 de Agosto de 2001). Muito interessado pela ciência política e com um curriculum desportivo apreciável, Alexey Carvalho destacou-se pela sua simpatia e jovialidade tipicamente cariocas. Logo no jogo de apresentação, acabado de chegar a Portugal e apesar do natural cansaço da viagem transatlântica, brindou-nos com uma magnífica exibição, bons triplos e… 17 pontos. E disse: “Espero ajudar o Barreirense a consumar o seu grande objectivo para esta época: chegar ao playoff. As primeiras impressões do clube são muito boas. Sei que é uma equipa com muita tradição em Portugal e onde já actuaram, no passado, o Adilson e o Marcelo, dois compatriotas e amigos meus”. A prestação de Alexey Carvalho foi globalmente positiva, com uma média de 17 pontos por jogo. Mas, na última jornada da fase regular, a falta que cometeu a escassos oito segundos do final e que levou o base José Costa para a linha de lance-livre, sentenciou as nossas aspirações de apuramento para o playoff de atribuição do título da Liga Profissional. O nosso sonho ficara uma vez mais adiado…
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[Excerto do Capítulo VII - Lugar no Pódio
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)
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PS: Mike Plowden aceitara o meu convite para estar presente na apresentação pública de PROVA DeVIDA, no dia 8 de Março de 2008. Poucos dias antes, a morte não permitiu que a sua inesgotável simpatia e cordialidade tivessem perfumado o espaço do BeJazz Cafe. Mas ele estará sempre presente entre os Barreirenses.
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