quinta-feira, novembro 06, 2008

Memória Barreirense (XVIII)



Um castelo a olhar para nós

14 de Maio de 1967. Completara na véspera o meu 10º aniversário. E o FCB ofereceu-me um presente bonito.
Leiria, palco habitual da final do Campeonato Nacional da II Divisão, foi mais uma vez a cidade anfitriã. Libânio, Faneca, Bandeira, Lança, Patrício, Aurelino, Nogueira, Garrido, Azumir (capitão), Ludovico e Luís Mira, foram os onze atletas que, dirigidos pelo húngaro Janos Zorgo, trouxeram para o Barreiro, o título de Campeão Nacional da II Divisão.
Recordo-me vagamente dos momentos de alegria e exaltação clubista que se seguiram à conclusão da partida e à entrega da taça ao nosso capitão, o brasileiro Azumir. Mas lembro-me, bem melhor, da chegada da comitiva a Coina. Muitos Barreirenses aguardaram aí a nossa chegada e, em automóveis e outros veículos motorizados, constituiu-se um enorme desfile, transbordante de emoção e alegria, que fez guarda de honra até ao Ginásio-Sede. A multidão festejou tão brilhante conquista com muitas lágrimas e ‘vivas’ ao Barreirense. O Presidente Luís Raimundo dos Santos e uma equipa directiva de leais colaboradores viam mais uma vez recompensado o enorme esforço e competência dedicados à causa Barreirense. “Barreirense campeão com mérito indiscutível” – assim titulou A Bola de 15 de Maio de 1967, em crónica assinada por Cruz dos Santos.
Depois dos títulos alcançados nas épocas de 1942/1943, 1950/1951, 1959/1960, 1961/1962, o FCB acabara de obter o seu 5º título de Campeão Nacional da II Divisão, proeza que viria ainda a repetir na temporada de 1968/1969. cc


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Vencemos os ‘bebés’

Corria o ano de 1968. Era Verão. As Apostas Mútuas (Totobola) organizavam há alguns anos a Taça Ribeiro dos Reis. O FCB, sob o comando técnico de Vieirinha descera mais uma vez à II Divisão. Mas, num assomo de brio e profissionalismo, os seus atletas empenharam-se na disputa da Taça cuja designação pretendeu imortalizar a memória do proeminente jornalista, fundador de A Bola. Vencedor da Zona D, o FCB derrotou o Beira-Mar na meia-final disputada em Leiria. E apurou-se para a final. Adversário: o Leixões. A equipa Leixonense era então composta por alguns jovens talentos, como o guardião Fonseca e o avançado Praia (que veio alguns anos mais tarde a envergar a nossa camisola). Conhecida como a equipa dos ‘bebés’, a valorosa equipa de Matosinhos era considerada favorita.
Na tarde de 21 de Julho de 1968, o Estádio do Restelo apresentou uma boa moldura humana para presenciar a final. Sob um calor tórrido, presenciei um dos grandes momentos do futebol Barreirense. A inclemência atmosférica foi desta forma descrita por Alfredo Farinha, jornalista de A Bola: “O futebol teve ontem uma jornada… dolorosa! Não foram os golos que se negaram, o público que se excedeu, a bola que rebentou ou o atleta irremediavelmente lesionado. Não. O drama caía do céu, em sol que abrasava como um cáustico, e que deu aos campos toda a fisionomia dramática do sacrifício”.
Com golos de Eusébio e Luís Mira, repartidos pelas duas metades do jogo, o FCB, equipado de branco, levou de vencida a equipa Leixonense. Manuel de Oliveira, que abandonara o Belenenses, disponibilizara-se para treinar graciosamente o FCB após a saída de Vieirinha e, curiosamente, ganhou em… Belém.
Como sempre, o Ginásio-Sede foi local de concentração derradeira dos adeptos Barreirenses que, recordo bem, deram largas à sua alegria e fervor clubista.
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Camisola 11

Ao longo de 50 anos de filiação e quase tantos de acompanhamento consciente e regular das actividades do FCB, vivi momentos de tristeza, mas muitos outros de inolvidável alegria.
Em 13 de Abril de 1969, ao vencer o Grupo Desportivo de Sesimbra, ascendemos mais uma vez à I Divisão. Golos madrugadores de Eusébio, José Carlos e Rogério, nos primeiros vinte minutos de jogo, empolgaram a assistência presente no ‘Manuel de Mello’, que em uníssono chegou a gritar “Só mais um, só mais um”. O marcador ficou-se pelos 3-0, mas o FCB tinha assegurado o objectivo da subida de escalão.
Segundo o relato de João Canena em A Bola “… no meio da multidão surgiu, mais uma vez, o já conhecido ‘anão’ do Barreiro, que se tornou o fulcro das atenções e passou a ser levado em ombros pelos espectadores delirantes”.
Manuel de Oliveira, que assumira a direcção técnica da equipa nas últimas seis jornadas, foi naturalmente ovacionado, tal como os jogadores, com quem me cruzei junto do meu pai, no átrio de acesso aos balneários. Nesse momento, Luís Mira, médio-centro de invulgar talento, ofereceu-me a sua camisola de jogo, a camisola 11. Fiquei radiante!
Durante muitos anos, até se degradar pelo peso inexorável do tempo, enverguei vaidosamente aquela camisola em quase todas as actividades desportivas, no Liceu Nacional de Setúbal - Secção do Barreiro e nos jogos que ia fazendo no espaço onde, por estes dias, se constrói o Fórum Barreiro. Tinha uma textura resistente mas muito pesada, bem diferente dos modernos materiais. Como se evoluiu desde então…
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Foguetes e cabeçudos

Barreiro em Festa.
Sol e calor em tarde de quarta-feira, 16 de Setembro de 1970. Apesar do horário laboral, 7.000 espectadores concentraram-se no Campo D. Manuel de Mello para assistir à primeira participação do FCB numa competição oficial da UEFA.
O Dínamo de Zagreb, equipa jugoslava com alguma experiência internacional, deslocou-se ao Barreiro para defrontar o neófito FCB, em jogo relativo à 1ª eliminatória da edição 1970/1971 da Taça das Cidades com Feira – hoje denominada Taça UEFA.
Tambores e foguetes, cabeçudos, banda de música e fanfarra dos bombeiros, forneceram um ambiente peculiar, nunca antes vivido naquele espaço.
Em superação e num jogo de boa qualidade, a nossa equipa, treinada pelo brasileiro Edsel Fernandes, galvanizou-se e venceu com dois golos sem resposta, o primeiro por Serafim ainda na primeira parte, o segundo por Câmpora no penúltimo minuto, com uma execução que jamais esquecerei. Um golaço!
Não foi, em minha opinião, a nossa vitória mais transcendente, mas foi, pelo seu circunstancialismo histórico, uma jornada muito bonita que presenciei no lugar cativo do meu pai que não pôde comparecer por motivos profissionais.
A Bola de 17 de Setembro dedicou largo espaço a este jogo, pela pena de Homero Serpa e de Santos Serpa:

Glorioso caloiro entra pela porta grande (2-0)
Era dia de festa no Barreiro. O Barreirense, menino bonito da laboriosa vila, quis que a sua estreia em competições internacionais ficasse inesquecível do seu público, do seu fiel público que nunca o desamparou mesmo quando na 2ª divisão, se esforçava, se batia para voltar ao convívio daqueles que sempre o tiveram como adversário.
(crónica de Homero Serpa)

Quando a partida terminou, a hora era de euforia. O público debruçava-se no parapeito sobre o túnel que levava às cabines para uma última manifestação de apreço à sua equipa.
(reportagem de Santos Serpa)

Duas semanas depois, o avançado uruguaio Câmpora torna a marcar e o FCB podia ter chegado ao intervalo a vencer por 0-2, não fora a invalidação de um golo regular de Serafim, rápido e acutilante ponta de lança.
Na segunda parte, com a complacência do alemão Helmuth Bader, o Dínamo efectuou um exemplar volte-face perante os seus 15.000 fiéis, com seis golos sem resposta.
A violência dos jugoslavos e a habilidade do árbitro foram denunciadas pelo treinador Barreirense, que à reportagem de Justino Lopes (A Bola) declarou que “trouxemos 11 jogadores em vez de 11 pugilistas” para concluir, amargurado e vencido, “hoje, aqui em Zagreb foi um exército a jogar futebol e outro a fazer guerra”.
Terminara com honra, mas sem brilho, a única participação do FCB nas competições europeias.


[Excerto do Capítulo III - Viagens na minha terra
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)