quarta-feira, novembro 26, 2008

Memória Barreirense (XXVI)



Águas Santas

De 25 a 27 de Maio de 2001 estive em Águas Santas, arredores do Porto, para presenciar a Final Four de Juniores A (sub-20). Cheguei àquela localidade ao cair da noite de sexta-feira, cerca de meia hora antes do nosso primeiro jogo, contra o FC Porto (de Paulo Cunha e outros promissores executantes). Acontece que em Águas Santas existem três pavilhões desportivos, designados por Águas Santas I, II e III. E aí surgiu a primeira contrariedade. Só acertámos à terceira, e com muita dificuldade. Resultado: cheguei atrasado, já o segundo período se iniciara.
Curiosamente, tive outras experiências em que foi difícil obter por parte da população, informação simples e objectiva acerca da localização dos pavilhões locais. Recordo-me de um episódio curioso: na primeira vez que fui a Oliveira de Azeméis, interpelei um transeunte que, algo confuso e pouco preciso, me disse que o Pavilhão Dr. Salvador Machado, que tardávamos em localizar, ficava próximo da “casa das crianças”. Casa das crianças? Viemos então a descobrir que se queria referir a uma… escola secundária!
Em Águas Santas perdemos os três jogos (FC Porto, Benfica e Sangalhos) por escassas diferenças pontuais. Uma lesão no ombro esquerdo, limitou significativamente a prestação de Pedro Silva, um atleta preponderante na equipa dirigida por António Paulo Ferreira, treinador que nos quatro anos seguintes veio a sagrar-se, por outras tantas vezes, campeão nacional (sub-16, sub-18 e sub 20) e é presentemente o responsável principal da equipa sénior.
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Capitão não chora?

Na última década têm-se sucedido a um ritmo fabuloso as participações dos escalões de formação do FCB (sub-14, sub-16, sub-18 e sub-20) nas fases finais dos Campeonatos Nacionais de Basquetebol. Assisti a todas elas, à excepção das Final Four de sub-16 realizadas em Belmonte (2001/2002: campeões) e Macedo de Cavaleiros (2005/2006: vice-campeões).
Década de ouro do basquetebol Barreirense, em que as nossas equipas têm marcado presença assídua nas fases derradeiras e alcançaram até agora um número impressionante de títulos nacionais – quinze!
De 4 a 6 de Junho de 2004, FC Porto, Esgueira, Seixal e FCB lutaram em Oliveira de Frades pela conquista do título nacional de Juniores B (sub-18). Como sempre, muitos adeptos, treinadores, dirigentes, clínicos e demais colaboradores, acompanharam o FCB. E emprestaram voz e cor a um ambiente alegre, mas por vezes despropositadamente tenso e conflitual.
Melhor apetrechada, a nossa equipa totalizou três vitórias em outros tantos despiques, e sagrou-se campeã nacional. No final da derradeira partida, em que o FCB averbou uma vitória indiscutível sobre o FC Porto (89-77), abracei, emocionado, o capitão Luís Chucha que, contagiado pelos meus sentimentos, verteu também algumas lágrimas de alegria. O seu filho, Gonçalo Chucha, fora um dos grandes obreiros de uma vitória difícil mas merecida, perante três adversários muito dignos e qualificados. Em 28 de Setembro de 2006, no Fórum BasketPT, lembrei aquele episódio:

Para ti, Luís
Naquele início de tarde de domingo primaveril, quase Verão, abraçámo-nos e algumas lágrimas correram dos nossos olhos.
Acabáramos de ganhar mais um título nacional de sub-18.
Disseste, mais tarde, que nunca choras.
E, num momento de grande dor e tristeza da tua vida, pude constatá-lo, não sem alguma emoção.
Recordar este e outros momentos em que fomos Solidários, Fraternos e Amigos, faz-me abraçar a Vida com mais energia, conforto e alegria.
Abraço Capitão.

O Gonçalo Chucha veio a abandonar o FCB em Setembro de 2006 para ingressar no Galitos FC, equipa que disputou pela primeira vez, com assinalável êxito, a Proliga – o mais importante campeonato organizado pela Federação Portuguesa de Basquetebol. Sei que não foi uma decisão fácil. Depois de tantos anos ao serviço das nossas cores, com cinco títulos nacionais, o Gonçalo Chucha tinha legítimas esperanças de seguir um percurso mas afirmativo. Mas entendeu sair…
Seu amigo, da mãe Paula, e do pai Luís, com quem reforcei fraternos e solidários laços de companheirismo e amizade nos dois anos em que fui Director do FCB e um dos responsáveis pela Secção de Basquetebol, decidi transmitir a minha tristeza pelo seu abandono. No Fórum BasketPT escrevi, em 27 de Setembro de 2006:

Para o Gonçalo e Família
Há sempre o momento da partida

Reflectido...
(quase sempre bem)
Doloroso...

(às vezes)
Sofrido...
(com ou sem lágrimas)
Obrigado Gonçalo!
Barreirense 4ever!

A resposta da família Chucha, no mesmo local, foi pronta e emotiva:

“As pessoas grandes não querem chorar, e fazem mal, porque as lágrimas gelam dentro delas, e o coração fica duro.” (Maurice Druon, em O Menino do Dedo Verde).
Sempre apreciei a expressão “olhos marejados”. É, para mim, de uma beleza plástica incrível. Os olhos, as “janelas da alma”. E o mar, com seu ir e vir das ondas. Olhos marejados são assim. Lágrimas que pensam em deixar o conforto dos olhos, mas que se retraem como quem diz: “Ainda não é a hora” ou “Ainda não posso me despir”. A lágrima revela tudo. Insólita por natureza, carrega consigo dor, tristeza, alegria, emoção. A lágrima marejada contém-se em si mesma. Ela é suficiente para cobrir toda a superfície ocular. Faz os olhos brilharem, reflectindo a transparência da alma.
Os médicos aprendem a ser heróis sem coração. Heróis porque lutam contra a engenhosidade ardilosa da doença que busca refúgio nos recônditos da complexidade do corpo humano, procurando dificultar o trabalho de sua descoberta. É um jogo de caça, no qual o bem luta para triunfar enquanto o mal, uma vez instalado, dá-se por vitorioso desde o início, nada tendo a perder. Entretanto, por actuarem numa batalha tão desigual, muitas vezes patrocinada pela desestrutura, os médicos, esses heróis aprendem a dominar as suas emoções. Afinal, são tantos dias, dias após dias, horas e mais horas, enfrentando as adversidades, testemunhando a amargura velada ou silenciosa dos seus pacientes, acompanhando o desespero e, por vezes, o destempero de familiares – que transitam com as suas faces avermelhadas e os seus óculos escuros, e não em decorrência do esplendor do sol – que tudo aquilo se torna rotineiro. Cena do quotidiano, e as lágrimas secam. Não obstante, os céus, em sintonia, harmonia e deferência, também derramam as suas lágrimas, através da chuva que, misturada às lágrimas, anuncia a purificação, a renovação e a mensagem de que a vida segue.
Tu choras meu amigo, tu aprendes todos os dias a ser herói mas com coração, choras de alegria pelo nosso Barreirense, e eu é verdade… também choro, mas raramente choro sozinho, hoje após ler a tua prosa aqui em casa chorámos os três.
Um abraço Doutor

Ouvi, por diversas vezes, ex-atletas lamentarem-se pelo facto de, após desempenhos e contributos duradouros e significantes ao serviço do FCB, não terem os mesmos sido alvo de reconhecimento pelos dirigentes do clube.
Jorge Ramos foi um atleta que, por impossibilidade de conciliar a sua actividade profissional com a exigente disponibilidade requerida pelo basquetebol da Liga TMN, optou por abandonar o clube. Representou o FCB desde tenra idade com o máximo empenho, zelo e competência. Foram para si estas palavras que escrevi na secção “Bolas Soltas” da revista Barreirense Basket, nº 3, Janeiro de 2005:

Jorge Ramos, base-extremo de 27 anos e 1,85m, é um basquetebolista formado nas escolas do Barreirense, clube onde se formou como praticante e desenvolveu toda a sua carreira desportiva até à época transacta.
Tem sido um dos jogadores mais valiosos na magnífica prestação que o Galitos vem desempenhando no CNB2 (Zona Sul / A), traduzida no 1º lugar que esta equipa ocupa na classificação.
Barreirense Basket saúda o valoroso atleta e deseja-lhe um ano de 2005 repleto de sucesso pessoal e desportivo.

No ano seguinte, antes de se iniciar a temporada de 2005/2006, António Carrilho solicitou a libertação do seu vínculo ao FCB, para abraçar uma nova experiência desportiva, em representação do Basket Clube de Almada. Desejo a que eu, Francisco Cabrita e Rosário Pina, Directores da Secção de Basquetebol, acedemos sem qualquer contrapartida, embora lamentando a opção de saída.
Fora um atleta valoroso ao serviço do nosso clube. Entendi da maior justiça, com maior formalismo mas igual sinceridade que para o Jorge Ramos, dedicar-lhe as seguintes palavras, endereçadas por carta datada de 18 de Novembro de 2005:

Caro António Carrilho:
Foi com mágoa que, em Setembro último, tomámos conhecimento da sua intenção de abraçar o projecto de outro clube, na época 2005/2006.
Ao longo de todos estes anos, o António Carrilho serviu o Basquetebol do FC Barreirense com todo o Desportivismo, Dedicação, Competência, Fervor Clubista. O António Carrilho foi exemplo, pela sua Atitude e Inteligência, para colegas de equipa e atletas de escalões inferiores. O seu contributo para a obtenção de um número invejável de vitórias e títulos regionais e nacionais, bem como a representação das Selecções Nacionais, são marcas valiosas e inesquecíveis do seu percurso desportivo.
Sei que a sua decisão foi elaborada com toda a ponderação, procurando acautelar fundamentalmente a sua participação mais efectiva na competição, facto que poderá traduzir-se, estou certo, numa maior progressão e consolidação das suas imensas e reconhecidas qualidades.
Cessa, espero que transitoriamente, o seu vínculo competitivo com o nosso Clube, mas tenho a certeza que um dia próximo, o regresso será uma realidade. As portas desta Casa permanecerão sempre abertas para quem, de forma tão exemplar, dignificou as cores vermelha e branca das nossas camisolas.
Em nome de toda a Família Barreirense, desejo-lhe os maiores sucessos desportivos, escolares e pessoais e endereço-lhe os maiores agradecimentos e os melhores cumprimentos, extensivos a seus pais.
Paulo Calhau
(Director da Secção de Basquetebol do Futebol Clube Barreirense)

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[Excerto do Capítulo III - Viagens na minha terra
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)