terça-feira, novembro 11, 2008

Memória Barreirense (XX)


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Fonte das ratas

Conheci desde pequeno a rivalidade entre o FCB e o Grupo Desportivo da CUF. E cresci com ela…
Quase todos os derby a que assisti – no futebol e no basquetebol – foram marcados por um ambiente de alguma crispação, muito embora me não recorde de ter presenciado qualquer manifestação de violência física entre adeptos ou dirigentes. Mas assisti, muitas vezes, a violência verbal, insulto e provocação.
Lembro-me bem das entradas da CUF no ‘Manuel de Mello’. A hostilidade dos adeptos Barreirenses era sempre manifesta, em todos os sectores do estádio. A meu lado, José Augusto da Costa Mano, velho amigo entretanto falecido, era uma das tradicionais vozes da revolta que, percebi mais tarde, tinha uma intrínseca componente política, e era dirigida contra todos os que neste país representavam e/ou protegiam o grande capital monopolista e o salazarismo.
Nesses momentos, mesmo com o odioso Sargento Reis e os seus acólitos voltados provocatoriamente para os associados, numa actividade consciente e premeditada de limitação da sua liberdade de expressão e de associação, os Barreirenses eram corajosos e determinados, na demonstração pública e colectiva dos seus sentimentos. Uma vitória sobre os ‘ratos brancos’ dava-nos alento para uma nova semana de trabalho, de estudo, de luta…
O poder político do país nos anos 60, a que aqui me reporto, estava impregnado de responsáveis com uma concepção e uma praxis antidemocrática, persecutória e totalitária. O que explicava esta resposta de parte significativa da população Barreirense, organizada de forma clandestina, sobretudo na militância comunista, ou traduzida de forma mais espontânea em manifestações desportivas, celebrações do Carnaval, etc.
No lado contrário, e por razões que desconheço em pormenor, o defesa-central Castro, destacava-se pela sua antipatia para com o FCB. E respondia, sempre que nos defrontava, com jogo violento e com provocações para a bancada, muitas vezes com gestos obscenos que nos indignavam e enfureciam.
Mas a vida dá tantas voltas…
Aos 32 anos, já em final de carreira, com a época de 1976/1977 à porta, Castro não renovou contrato com a CUF e assinou pelo FCB que, orientado por Manuel de Oliveira, aspirava regressar à I Divisão, o que veio efectivamente a concretizar-se. Em 11 de Setembro de 1977, Castro realizou o seu primeiro jogo oficial pelo FCB no Campo D. Manuel de Mello. Vencemos por 4-1 o União de Santiago do Cacém, em partida referente à 1ª eliminatória da Taça de Portugal. Castro entrou em campo e veio prontamente saudar os sócios que, localizados na bancada do topo norte, responderam parcialmente à ‘gentileza’ do novo reforço. Em entrevista a Joaquim Rita, Castro exprimiu a sua nova paixão: “O ambiente no Barreirense? Do melhor que encontrei até hoje. A maior alegria que eu poderia sentir era subir de divisão com o Barreirense e a CUF [apesar de agastado com os seus Directores] ir à ‘liguilla’ e subir” (A Bola de 26 de Novembro de 1977). Era agora o Senhor Castro como me disse, jocosamente, o amigo Costa Mano. Para alguns, não para nós dois…
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Adeus à I Divisão

Na temporada de 1978/1979 o guarda-redes Jorge Martins voltara ao FCB, após uma época em Setúbal. E foi perante a sua anterior equipa que o FCB disputou o último jogo realizado até hoje na divisão maior do nosso futebol. Despedimo-nos com uma derrota, que recordo muito injusta, como também sugeriu Alfredo Farinha, em A Bola de 11 de Junho de 1979: “Barreiro – dez oportunidades, Setúbal – apenas… um golo”, que acrescentou “É pena ver sair da I divisão uma equipa que joga um futebol de tanta qualidade técnica”.
José Augusto, meu bom amigo, foi o último treinador do FCB na I Divisão. Frederico, Carlos Manuel e Arnaldo, eram os expoentes máximos da nossa valorosa equipa, mas ainda assim insuficientes para a manter no escalão máximo do futebol português. Uma semana depois, derrota 4-1 no Estádio das Antas. Despedimo-nos da I Divisão.
Nunca pensei que aí não voltássemos, mais tarde ou mais cedo… c


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Sempre a descer

O pesadelo continuou no ano seguinte, no qual voltámos a descer de divisão (13º lugar entre 16 equipas).
A temporada de 1980/1981, disputada na III Divisão, foi muito dolorosa e sofrida para os Barreirenses, habituados a ver a sua equipa noutros patamares competitivos. Ainda assim, foram muitos os que não regatearam apoio à sua equipa. Assisti a vários jogos, mais pelo dever e imperativo afectivo, do que pela qualidade do futebol praticado, claramente deficitário.
Em 16 de Novembro de 1980 o FCB, então terceiro classificado, recebeu o Paio Pires, último da tabela classificativa. Luís Vasques, velha glória do nosso clube, treinador dos ‘alvi-negros’, foi insultado à entrada em campo, junto ao topo norte, quando se dirigia para o ‘banco’, então ainda localizado do lado da bancada central. Assisti àquela manifestação de hostilidade, injusta e brutal, com grande revolta interior. Embora protagonizada por um número restrito de associados grosseiros, lembro-me de ter reflectido naquele momento acerca das injustiças que, com demasiada frequência, se praticam no mundo do desporto. Na baliza Barreirense, Neno. Nas redes adversárias, Alhinho, veterano guarda-redes do Paio Pires, defendeu tudo nessa tarde. Tudo, não! A vitória, tangencial, foi nossa…
Na trigésima e derradeira jornada, muito público e imenso entusiasmo, invadiu o ‘Manuel de Mello’. A vitória sobre o Trafaria (4-0) classificou o FCB em segundo lugar, suficiente para assegurar a subida à II Divisão. Houve festa, mas naturalmente muito menos apoteótica que aquelas que vivi nas subidas à I Divisão.

A história repetiu-se no biénio 2005-2007, em que o FCB tombou em épocas sucessivas da Liga de Honra (segundo escalão) para a III Divisão (quarto escalão). Se a descida à II Divisão decorreu com alguma naturalidade – embora o desfecho pudesse ter sido outro, mais consentâneo com o investimento efectuado –, o fracasso da última temporada foi para mim, e para a generalidade dos Barreirenses, um enorme surpresa, fruto de erros e decisões infelizes que comprometeram a prestação da equipa.
A tarde de 29 de Abril de 2007, data da vigésima sexta e última jornada, foi duplamente triste. Primeiro, porque o empate frente ao Louletano (1-1), equipa que podia ainda ascender à Liga de Honra, determinou a nossa descida à III Divisão. Segundo, porque foi, supunha-se nesse dia, o último jogo oficial do futebol sénior do FCB no Campo D. Manuel de Mello. Foi um dos dias mais amargos da minha vida desportiva…

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[Excerto do Capítulo III - Viagens na minha terra
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)