segunda-feira, novembro 17, 2008

Memória Barreirense (XXIII)


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A sombra de Bela Guttmann?

O FCB participou pela primeira vez na Liga Profissional de Basquetebol na época de 2000/2001. No final da década de 90 o clube já dispusera do direito desportivo de ascender à prova máxima do basquetebol português, segundo o figurino implementado na temporada de 1995/1996 pela Liga de Clubes de Basquetebol. Mas apenas em 2000, pela acção enérgica do FCB e a colaboração fundamental da Câmara Municipal do Barreiro (presidida por Pedro Canário), foram criadas as condições para o histórico clube da margem Sul ombrear de novo com os grandes do basquetebol nacional.
Estive presente, desde então, nessa e nas edições seguintes da prova, em grande parte dos jogos realizados no Barreiro ou fora de portas.
A 14 de Outubro de 2000, na quarta jornada da primeira fase da Liga TMN, o FCB deslocou-se ao Norte para defrontar o FC Porto no Pavilhão Rosa Mota. Com Laverne Evans, Eric Clark, Leo Gorauskas e Tyrone Brown em grande plano, o FCB surpreendeu todos os presentes e arrecadou uma importante e moralizadora vitória. Incrédulos, alguns dos adeptos portistas invectivaram a partir de certa altura os atletas ‘azuis e brancos’. Numa reposição de bola pela linha lateral, o base Rui Santos chegou mesmo a soltar o desabafo “parece que estamos a jogar em Lisboa, carago”. Acompanhado pelo Ricardo e pelo meu grande amigo José Manuel Sousa, então a residir em Leça da Palmeira, fui ficando progressivamente convicto da vitória e a cerca de três minutos do final, desci dois ou três degraus e aí permaneci sozinho, sofrendo solitariamente aqueles demorados e quase infindáveis instantes derradeiros.
Em tarde de muita chuva na Invicta, foi uma grande vitória do nosso FCB, sobre um FC Porto poderoso mas que nessa tarde foi impotente para nos superar. Na bancada, próximo de mim, um adepto portista, reagindo à alegria da nossa comitiva gritou “nunca mais cá ganham”. Premonição à Bela Guttmann? [Treinador do Benfica que, quando da saída litigiosa do clube, afirmou que o Benfica não voltaria a ser campeão europeu]. A verdade é que nas sete edições posteriores da competição, não voltámos a repetir tamanha proeza…
Junto à vedação, encharcado em suor e do alto dos seus mais de dois metros, o angolano Domingos Tito, abraçou-me com mútua emoção. Mais acima, Luís Mestre, acompanhado por um amigo, acenou-me primeiro e dirigiu-se para junto de mim logo depois, felicíssimo pela vitória. A sua morte, ocorrida em 2007, deixou-nos tristes e mais pobres.
A 12 de Fevereiro de 2007, dediquei-lhe, em Rostos, palavras amigas e sentidas:
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Um dia depois…
Razões profissionais impediram-me de acompanhar ontem o meu amigo Luís Mestre à sua última morada.
Acabo de visitá-lo. Coberto por uma imensidão de flores ainda viçosas e coloridas, molhadas pelas gotas desta manhã chuvosa de 12 de Fevereiro.
Com muita pena e grande mágoa, vejo desaparecer alguém que fez muito pelo Futebol Clube Barreirense, nosso clube de sempre. Luís Mestre foi, anos a fio, um intrépido, competente e incansável Director do futebol de formação. Com João Paulo Prates e outros companheiros, o Barreirense, em condições materiais muito precárias – e que ainda hoje persistem imutáveis –, deu um salto qualitativo notável nesse estratégico sector de actividade do clube. Simples no trato, forte no carácter, distante de vaidades, desinteressado da ribalta, Luís Mestre foi exemplar no empenhamento dedicado á causa do futebol juvenil.
Em 2000, numa tarde de sábado muito chuvosa, Luís Mestre esteve comigo no Pavilhão Rosa Mota, com o meu Ricardo e com o meu grande amigo José Manuel Sousa (então residente em Leça da Palmeira) numa vitória fantástica do Barreirense sobre o FC Porto, em basquetebol, perante uma plateia incrédula com a prestação e a superioridade da nossa equipa. No final, abraçámo-nos, imensamente felizes. Jamais esquecerei esse dia…
Há dois anos, na tarde da nossa subida à Divisão de Honra, vi o Luís Mestre nos balneários do ‘Manuel de Mello’, emocionado, lacrimejaste, encharcado pelo banho com que fora presenteado. O nosso último encontro ocorreu numa noite de domingo, há cerca de quatro meses, num restaurante local. Acompanhado pelo seu (meu) grande amigo João Paulo Prates, Luís Mestre, mostrou-se mais uma vez preocupado pela situação presente do Barreirense e disponível para a reflexão que eu propusera em texto publicado dias antes no Jornal do Barreiro e que lera com respeitosa e interessada atenção.
Luís Mestre foi assim…
Um Barreirense dos sete costados! Um Barreirense a sério!
Luís Mestre foi consequente…
Por um Barreirense sem Reis nem Senhores! Por um Barreirense uno e indivisível!
Partiu cedo… Estupidamente cedo! Injustamente cedo!
Recebe um abraço eterno deste teu amigo,
Paulo Calhau
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Jogo perfeito

Nessa temporada de 2000/2001, Eric Clark, extremo-poste norte-americano de 25 anos e 2.05m, proveniente dos Piratas da Colômbia, foi um exemplo de competência, disciplina e regularidade. Totalista nos 26 jogos (médias de 37 minutos, 17.3 pontos e 8.5 ressaltos) foi o 6º classificado no ranking MVP [Most Valuable Player].
Na antepenúltima jornada, o FCB ganhou (83-82) no Pavilhão Luís de Carvalho ao Benfica (orientado por Mário Gomes). Mas a derrota na Madeira frente ao CAB (107-81) na jornada seguinte veio complicar as contas, podendo a nossa equipa ficar após a última jornada em posição de despromoção. Tal não veio felizmente a suceder. O FCB recebeu e venceu (96-85) a fortíssima equipa da Ovarense, comandada por Jorge Araújo, com seis estrangeiros de boa qualidade (Kris Hill, Thomas Adams, David Berbois, Joffre Leal, Jovan Manovic e Mate Milisa).
Eric Clark fez um jogo perfeito, nesse final de tarde de 31 de Março de 2001. Em 37 minutos e 33 segundos de presença em campo, fez 28 pontos com 100% de lançamentos certeiros (10/10 de dois pontos, 8/8 de lances livres), 100% de contra-ataques (2/2), nenhum turnover, 4 ressaltos, 2 smash, 3 desarmes de lançamento e 1 assistência. Simplesmente fabuloso!
Nervoso pelo desenrolar da partida, com a manutenção na Liga em jogo, não me apercebi da dimensão da excelência da prestação de Eric Clark. Apenas no final, consultada a estatística oficial, me deslumbrei com aqueles números, raros e brilhantes. Infelizmente, não foi possível manter o contributo desse distinto atleta. Eric Clark deixou mesmo a modalidade na época seguinte, ao optar por outra carreira profissional no seu país natal.


[Excerto do Capítulo III - Viagens na minha terra
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)