quinta-feira, novembro 13, 2008

Memória Barreirense (XXI)



Para (não) esquecer

Na época de 1982/1983, o FCB completou a fase intermédia do Campeonato Nacional da I Divisão de Basquetebol em 3º lugar. Já com a decisiva colaboração do regressado Adilson Nascimento, a nossa equipa fez uma segunda fase sensacional, com uma derrota solitária no Pavilhão da Luz. E com Mike Plowden, Eugénio Silva, António Coelho, José Coelho, Jorge Ramos e João Moura, entre outros, partiu com expectativas de vitória para o Porto, onde se realizou a fase final.
Com partida do Campo das Cebolas desloquei-me de camioneta para a Capital do Norte e fiquei alojado em Vila Nova de Gaia, no apartamento do meu grande amigo José Manuel Sousa. O nevoeiro que desabou sobre o Aeroporto de Pedras Rubras impossibilitou a aterragem das equipas do Benfica e do Queluz, que ao contrário do FCB, viajaram de Lisboa por via aérea. Em consequência, a jornada de arranque da primeira volta da Final Four foi adiada por vinte e quatro horas, tendo-se realizado em 9 de Abril.
Depois de uma folgada vitória sobre o Benfica (86-65) na jornada inaugural, o FCB soçobrou no dia seguinte ante o Queluz (97-95) após um jogo dramático, resolvido em dois prolongamentos. E na derradeira jornada da primeira volta o FCB perdeu (61-52) perante o FC Porto, comprometendo a sua candidatura ao título.
Apesar de o ambiente no Pavilhão Américo de Sá se ter revestido desde o início de alguma tensão, da responsabilidade de uma parte dos adeptos locais, nada fazia admitir que o pior estaria para acontecer na semana seguinte. Por razões profissionais não me pude deslocar de novo ao Porto. Beneficiando de duas vitórias (ante o Benfica e o Queluz) e da derrota do FC Porto ‘às mãos’ do Benfica, o FCB partiu para o sexta e última jornada com possibilidades de conquistar o título, bastando para tal vencer o FC Porto. Foi numa manhã de domingo, com transmissão televisiva, que tudo se precipitou. A pressão e a violência sobre o ‘banco’ Barreirense ultrapassaram todos os limites, o que veio a determinar o abandono da nossa equipa, decorridos escassos vinte e oito segundos da segunda parte.
Para a história ficou um título para o FC Porto, manchado todavia pela violência de parte dos seus simpatizantes, situação que Manuel Castelbranco descreveu na edição nº 13 da revista Basket:
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(…) o ambiente reprovável que em bem determinados jogos se instalou no pavilhão das Antas, ambiente pouco consentâneo com os valores correctos que se pretendem para as provas, ambiente, dizíamos, que mais fez lembrar que estávamos numa arena romana que o racionalismo dos Homens soube quase totalmente fazer desaparecer da face da Terra.
Intimidação é a palavra que tem de se utilizar nesta circunstância. Jogadores e treinadores em primeira instância e depois árbitros e jornalistas foram intimidados, provocados gravemente e ofendida a sua dignidade, assim como a seriedade da sua acção, que é, e será sempre, a de abrilhantar e dignificar, sem esconder nada de ninguém, a modalidade que apaixonadamente abraçaram (...)
Após o insólito desfecho do Campeonato Nacional, não foi preciso ouvir ninguém directamente, para perguntarmos a sua opinião sobre o que estava a acontecer; bastou-nos olhar para a cara dos dirigentes federativos, dos dirigentes e treinadores dos clubes, incluindo mesmo os do F. C. Porto, de que a situação que se estava a viver não pode ser apoiada a que é uma atitude normal em qualquer povo em qualquer parte do Mundo…
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Três vezes vice

Na temporada anterior acompanhara o FCB na espectacular Final Four disputada no Pavilhão de Alvalade que, em dois fins-de-semana (seis noites), esteve sempre sobrelotado de um público vibrante e muito desportivo.
Fomos vice-campeões, num campeonato equilibradíssimo. Não perdemos por mais de seis pontos, e as nossas três vitórias foram todas obtidas por reduzidas margens de dois pontos.
Na revista Basket, Nº 9, Abril-Maio de 1982, Manuel Castelbranco escreveu:

[a propósito do FCB] Foi na realidade a sensação da prova, vencendo todos os outros concorrentes, e foi ainda a equipa que mais dificuldade ofereceu aos campeões nacionais [Sporting].
(…) o maior festival da equipa da outra margem do Tejo veio do ataque, onde sobressaíram para além de Adilson e Plowden, o jovem Eugénio que se afirmou como grande certeza do nosso basquetebol.
(…) há que destacar ainda José Coelho, Minhava e Ramos.


Adilson (FCB), Israel (Sporting), Sartori (Benfica) e Charuto (FC Porto) foram mais-valias brasileiras que associadas à qualidade de norte-americanos como Plowden (FCB), Carter (Sporting), Reffigee e Jordan (Benfica), foram protagonistas da melhor Final Four jamais realizada em Portugal. Tremendamente injusta seria a omissão de atletas nacionais de grande valor, já consagrados, ou em vias de afirmação, como Carlos Lisboa, Rui Pinheiro e Augusto Baganha (Sporting), José Coelho e António Minhava (FCB), José Luís e Pratas (Benfica), Tó Ferreira e Parente (FC Porto).
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A época de 1983/1984 disputou-se ainda no mesmo sistema, com uma Final Four disputada pelos quatro primeiros classificados da fase regular. Pelo terceiro ano consecutivo, e sempre sob a direcção técnica de Manuel Fernandes, o FCB obteve o 2º lugar.
A primeira volta, a que não assisti, disputada em Aveiro, ficou marcada pela derrocada de uma bancada expressamente montada para a prova, mas que felizmente não teve consequências lamentáveis, uma vez que apenas se registou a ocorrência de dois feridos ligeiros. A derrota frente ao Queluz na jornada inaugural, foi redimida por vitórias diante do Sangalhos e do FC Porto, pelo que à partida para a segunda volta, o FCB tinha ainda legítimas esperanças de alcançar o título nacional.
Foi com essa expectativa que de 2 a 4 de Março de 1984 – cerca de três meses antes da elevação do Barreiro à categoria de Cidade, em 28 de Julho – me desloquei ao Pavilhão da Tapadinha, em Alcântara. Voltámos a vacilar apenas diante do Queluz, justo vencedor de um fase final em que fiquei com a sensação de que poderíamos ter ido mais além.
Já sem a legião de brasileiros de duas temporadas atrás, a qualidade dos norte-americanos manteve-se a bom nível, com destaque para Johnson (Queluz), Plowden e Jordan (FCB), Bill (Sangalhos) e Burwell (FC Porto). No final, o técnico do FCB declarou ao Jornal do Barreiro de 9 de Março de 1984:
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No seu cômputo geral veio a confirmar-se que as duas equipas que se apresentavam como favoritas confirmaram o seu favoritismo ao se classificarem em primeiro e segundo lugar. A nossa equipa tivera como objectivo ser campeão mas nos jogos decisivos contra o Queluz a felicidade não esteve connosco, o que aliado ao traquejo e experiência dos jogadores mais influentes do Queluz nos impediu de vencer.

E, em crónica (não assinada) titulada “Apontamento”, inserida na mesma edição do Jornal do Barreiro, pôde ler-se:

A festa do basquetebol iniciou-se no palco aveirense e terminou no palco alcantarense.
De facto qualquer dos cenários apresentados, foram alvo de manifestações desportivas por parte dos atletas e de civismo por banda das claques presentes em ambos os lados (...)
Quanto ao título diremos que de facto ele assenta bem ao Queluz, pois foi a equipa mais equilibrada e com estofo para ser campeão, talvez porque alguns dos seus componentes já terem conquistado esse título pelo Sporting.
O Barreirense, ao conquistar o 2º lugar, teve o mérito de fazer o tri neste lugar, mas não se pode desculpar com ninguém, pois a ele próprio se deve o não conseguir o 1º lugar.

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O melão ficou para eles

Vitórias e derrotas fazem, naturalmente, parte do meu memorial de viagens desportivas. O primeiro título nacional de basquetebol do FCB que presenciei ao vivo ocorreu em 1985. Estava então prestes a concluir o Serviço Militar Obrigatório, que cumprira sem tergiversações, num momento em que Portugal era já uma Democracia consolidada – iniciada na Revolução de 25 de Abril de 1974, e que entre outros objectivos, melhor ou pior concretizados, pôs fim à Guerra Colonial, ainda que de forma algo apressada e pouco cuidada.
Vencedor do troféu nas temporadas de 1956/1957, 1959/1960, 1962/1963, 1981/1982 e 1983/1984, o FCB aspirava à conquista da 6ª Taça de Portugal, para enriquecer o seu valioso palmarés e a bela e recheada sala de troféus do Ginásio-Sede.
Depois de eliminar o FC Porto nos quartos-de-final (84-96) e o Queluz nas meias-finais (134-103), faltava a última e decisiva prestação. Foram imensos os adeptos do FCB e do Benfica que se deslocaram à vila ribatejana, para assistir à final da 36ª edição da Taça de Portugal. Adquirira poucos dias antes, em segunda-mão, o meu primeiro automóvel. Foi nesse pequeno, mas simpático, Mini 1000 que viajei até Almeirim, na tarde soalheira de 22 de Junho de 1985. Muito público, grande ambiente, no Pavilhão Municipal.
Com uma segunda parte fantástica (53-37), e a dupla de norte-americanos Neal e Plowden em grande evidência, bem secundados por Eugénio Silva e Jorge Coelho, o FCB recuperou da desvantagem de dois pontos com que regressou do intervalo, para se sagrar vencedor do troféu, com todo o merecimento. Dois dias depois, o então tri-semanário desportivo A Bola dava honras de primeira página à nossa vitória, com foto dos nossos valorosos atletas, equipa técnica e dirigentes.
Manuel Fernandes desempenhou pela última vez o cargo de treinador no FCB, após onze anos de liderança, para abraçar o cargo de Director-Técnico da Federação Portuguesa de Basquetebol, função que ainda hoje ocupa, com irrepreensível competência.
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Contas mal feitas

Completara 30 anos há escassos dias. Frequentava o Internato Complementar de Pediatria no Hospital de Dona Estefânia. Por razões profissionais não assistira à vitória do FCB diante do Sangalhos (117-78), em jogo referente ao playout do Campeonato Nacional da I Divisão.
Foi com o empenhamento e a confiança habituais que, no dia seguinte, ao cair da tarde de 17 de Maio de 1987, me desloquei para o Ginásio-Sede, para a partida final frente à Sanjoanense. Pensei que uma vitória nos salvaguardava da descida à II Divisão, onde apenas estivemos nas épocas de 1943/1944 a 1945/1946, 1947/1948, 1970/1971, 1971/1972 e 1974/1975.
Chegado poucos minutos antes ao local do prélio, fui surpreendido de forma absoluta e desconcertante. Recinto praticamente deserto. Carlos Freire, João Ramos, José Fragata e demais atletas com semblante carregado, em penosos exercícios de aquecimento. Ambiente de indisfarçada tristeza.
Percebi então que fizera mal as contas. E que o sucesso que eu tanto desejava, e pela qual ia dar o meu contributo de sempre, seria uma vitória… de Pirro. O brio e a honra Barreirense não deixaram de marcar presença, como sempre. Vencemos (98-83). Mas descemos à II Divisão.

[Excerto do Capítulo III - Viagens na minha terra
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)