sábado, novembro 15, 2008

Memória Barreirense (XXII)


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Ciclone

Três anos depois assisti à mais copiosa derrota caseira do FCB.
Sábado, 23 de Setembro de 1990. Tarde cinzenta, ameaçadora de chuva, mas abafada. Marlon Alves, Skoda, Vado e demais Portimonenses destroçaram-nos com 9 (!) golos sem resposta. Jorge Martins, guarda-redes que chegou a representar o Benfica, teve a jornada mais inglória da sua valorosa carreira. Situado na bancada do topo sul, assisti incrédulo a uma invulgar goleada.
Ângelo Gomes, na sua crónica de 24 de Setembro de 1990 de A Bola titulou: “Ciclone do Algarve passou pelo Barreiro”. E realçou a diferença abissal de ritmo das duas equipas da seguinte forma: “Os barreirenses, para se dar uma ideia, pedalavam numa pasteleira enquanto os algarvios aceleravam num fórmula um”. O ritmo dos ‘algarvios’ foi estranho, como estranhos foram os arremessos, ao longo da partida, de dezenas e dezenas de pequenos sacos de água (?). Tiveram tanta sede aqueles rapazes…

Segundo a Wikipedia “a dopagem (em inglês, doping) é a utilização de substâncias proibidas no desporto, por promoverem o aumento ilícito do rendimento do atleta. Essas perigosas substâncias fazem com que os atletas tenham um melhor rendimento físico no desporto”.
Os resultados estatísticos do Conselho Nacional Anti-Dopagem (CNAD) referentes ao ano de 2006, confirmam uma estabilização da percentagem de amostras positivas verificada desde 1998, ano em que subira preocupantemente em relação aos valores anteriores. De um total de 3.479 amostras recolhidas apurou-se um valor de 1.5% de controlos positivos, assim distribuídos: Canabinóides 32%; Diuréticos 20%; Agentes Anabolizantes 13%; Estimulantes 11%; Beta-2 Agonistas 6%; Hormonas Peptídicas 2%; Glucocorticosteróides 2%.
Como refere o site da Confederação do Desporto de Portugal (
www.cdp.pt) “O papel dos médicos no desporto de alta competição é primordial. Inclusive na correcta utilização de medicamentos, para fins terapêuticos e para evitar controlos anti-doping positivos acidentais. O Conselho Nacional Antidopagem disponibiliza um manual de procedimentos para solicitação de autorização para utilização terapêutica de substâncias e métodos proibidos”. Aí estão acessíveis informações de primordial importância: o Decreto 4-A/2007, que incorpora a versão original e a tradução para português, efectuada pela Procuradoria-Geral da República, da convenção da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e dos seus anexos, entre os quais o código da Agência Mundial Antidopagem; e a versão portuguesa da lista de substâncias e métodos proibidos para 2007, adoptada em Setembro de 2006 pela Agência Mundial Antidopagem, e que entrou em vigor em Portugal no primeiro dia de Janeiro de 2007.
A Campanha Desporto Saudável do Conselho Nacional AntiDopagem definiu como objectivos a “divulgação de informação relacionada com a Luta contra a Dopagem no Desporto, visando a prevenção de utilização de substâncias dopantes e, desse modo, contribuir para a preservação da saúde dos praticantes desportivos e para a preservação da verdade desportiva”. E escolheu como grupos alvo “jovens com idades compreendidas entre os 10 e os 18 anos; praticantes desportivos federados em geral; praticantes abrangidos pelo regime de Alta Competição; dirigentes, treinadores e médicos das Federações, Associações e Clubes Desportivos; médicos de Medicina Familiar nos Centros de Saúde; utentes dos ginásios de musculação”.
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O jogo mais curto

Pavilhão da Quimigal, 11 de Janeiro de 1992. Faltam trinta e um segundos para terminar a partida. O Estrelas das Avenidas vence o FCB. Cedric Glover, poste norte-americano atlético e poderoso, afunda e parte a tabela.
De acordo com os regulamentos, o FCB tem trinta minutos para proceder à substituição da tabela inutilizada. Não consegue. Os segundos em falta terão de ser disputados no campo do adversário até setenta e duas horas depois.
Os Barreirenses, com Pina, Murteira, Almeida, Carvalho, o norte-americano Chambers e uma dupla checa (Novak e Kovac), orientados tecnicamente por Manuel Cerqueira, um dos melhores bases que vi actuar em Portugal, ainda acreditaram na reviravolta. Disso me dei conta nas vésperas do mini-jogo, em conversa no Ginásio-Sede.
Nas Olaias, onde não estive, o sonho não se concretizou. Vencemos 3-2, mas… perdemos o jogo!
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Brigada com sede

Em Abril de 1999 o FCB visitou o Seixal, equipa praticamente condenada à descida de escalão.
Fomos algumas centenas, os que nos deslocámos à cidade ribeirinha, acalentando a esperança da subida à Divisão de Honra. Recebeu-nos uma chuvada torrencial, que a (quase) todos surpreendeu, incrédulos e indefesos perante tão impiedosa e traiçoeira bátega de água. Rapidamente, a intempérie virou uma tarde radiosa e as nossas roupas encharcadas e desconfortáveis, puderam acelerar o seu processo natural de secagem.
Com o sol, veio a sede. Os muitos Barreirenses presentes, nomeadamente a numerosa Brigada Relote, invadiram literalmente o bar do peão do Campo do Bravo. Os barris de cerveja foram bem desbastados. E os copos de plástico, obrigatórios pela legislação em curso, esgotaram. Parar de beber? Nem pensar! Serviram-se novas rodadas do fluido loiro reutilizando os copos de plástico. Nunca tinha visto tal coisa…
Esse foi o aspecto mais divertido da jornada. O jogo foi enfadonho e mal jogado. Ganhámos com dificuldade por 2-1. “Sofrer até ao fim” titulou o malogrado Joaquim Vieira no Jornal do Barreiro, edição de 21 de Maio. Os nossos adeptos foram, a despropósito e sem fair play, cantando jocosamente a descida à III Divisão da equipa visitada. Como estavam longe de sonhar que, oito anos depois, o mesmo destino viria desabar sobre as suas cores…
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Desilusão

30 de Maio de 1999. O FCB parte para a última jornada do Campeonato Nacional da II Divisão - Zona Sul com a legítima esperança de ascender à Divisão de Honra. A vantagem de um e três pontos sobre o Imortal de Albufeira e o Portimonense, segundo e terceiro classificados respectivamente, permite sonhar com a tão almejada subida.
Uma visita à pequena vila madeirense da Camacha, para defrontar o clube local, constitui um excelente pretexto para que muitos Barreirenses antevejam uma viagem de sonho e um regresso feliz. Tranquila na tabela classificativa, a Associação Desportiva da Camacha, desfalcada de sete habituais titulares (por lesão ou castigo), não parece constituir adversário intransponível para um FCB ambicioso, confiante nas suas capacidades. Mas os Barreirenses desconfiavam que um eventual estímulo pecuniário proveniente do industrial de hotelaria Fernando Barata, Presidente do Imortal de Albufeira, provocasse um empenhamento suplementar dos camachenses.
Foi organizada uma excursão à Pérola do Atlântico, em condições financeiras particularmente interessantes. Entusiasmado com a ideia, desloquei-me ao Departamento de Marketing onde, in extremis, consegui a reserva de três lugares. E parti na manhã de 29 de Maio, na companhia do meu pai e do meu filho, plenamente esperançado em viver mais um momento alto, de alegria e fervor clubista. Uma atmosfera de grande confiança e optimismo percorreu toda a comitiva. Foram cerca de duzentos os que aproveitaram essa oportunidade para acompanhar o FCB em jornada tão decisiva. Alguns, não vieram a comparecer ao jogo, antes esgotando a presença em terras insulares para fins exclusivamente turísticos. À chegada à Madeira, organizaram-se pequenos grupos, que ocuparam o tempo deambulando sobretudo na cidade do Funchal ou, como foi o nosso caso, percorreram parte significativa de uma ilha que não conhecíamos. Foi uma jornada muito agradável, com a revelação algo surpreendente de lugares de inegável beleza e a constatação de uma ilha em evidente processo de desenvolvimento.
Mais de vinte e quatro horas depois, era então chegado, para quase todos, o grande momento. Numa tarde solarenga e quente, confluímos para a vila da Camacha, com cachecóis, bandeiras, camisolas e outros adereços. Junto aos balneários encontrei o meu grande amigo Luís Vasques, treinador da equipa de juniores e também scouter dos seniores. Era indisfarçável um misto de ansiedade e de optimismo. O início do prélio parecia nunca mais chegar…
O relvado estava bem cuidado, mas em volta, bancadas rudimentares e de distribuição anacrónica, eram esclarecedoras da modéstia do clube visitado. A imensa falange Barreirense acumulou-se sobretudo numa pequena bancada localizada numa das laterais.
De forma para mim ainda hoje inexplicável, num jogo para o qual só a vitória previsivelmente interessaria, o FCB, orientado tecnicamente por José Rachão, apresentou-se desde o início temeroso, lento, falho de ambição. Apenas no terço final da segunda parte e, quando a Camacha estava reduzida a dez elementos, os nossos atletas receberam ‘ordem de soltura’ e partiram, tardiamente, para a busca incessante de um golo, que veio a ocorrer já em tempo de descontos, mas justificadamente invalidado pelo juiz Licínio Santos. Nervoso, inquieto e progressivamente desmoralizado pelo decorrer dos acontecimentos, assisti aos últimos dez-quinze minutos do jogo em locais diversos do recinto. Nos momentos derradeiros posicionei-me atrás da baliza, onde o avançado Dieb, ao tocar desnecessariamente no esférico, em posição de offside inviabilizou a nossa vitória. Próximo de mim, extremamente ansiosa, a esposa de José Rachão era alvo de insultos, impropérios e graçolas. Com o apito final, consumado o empate a zero, e a vitória do Imortal sobre o Machico por 4-3, foi o desânimo e a desolação nas hostes Barreirenses. Não esqueço as lágrimas que espreitaram os meus olhos e a face de alguns dos meus companheiros. Do interior do balneário era perceptível a raiva incontida dos atletas e a culpabilização, injusta, do árbitro de Leiria. Afinal, a grande culpada do insucesso fora a táctica e a estratégia utilizadas – jogo pausado, retraído e displicente – que a nossa equipa exibiu em grande parte do desafio.
No dia seguinte, em A Bola, J. Roquelino fez o resumo fiel do jogo: “Depois de 80 minutos de contenção, os pupilos de Rachão deram o tudo por tudo. Resultado injusto num jogo em que o árbitro anulou um golo aos visitantes, num lance que motivou imenso sururu”.
Fora o jogo da oportunidade perdida…
E no regresso ao continente, a viagem foi penosa e triste!
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[Excerto do Capítulo III - Viagens na minha terra
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)