segunda-feira, novembro 24, 2008

Memória Barreirense (XXV)


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Por um se ganha…

No ano da segunda participação do FCB na Liga Profissional de Basquetebol, o Leiria Basket aderira à mais importante prova do basquetebol nacional. Sem um pavilhão local devidamente apetrechado para cumprir os requisitos impostos pela Liga de Clubes de Basquetebol, a equipa sedeada na cidade do Liz optou por realizar os seus jogos na qualidade de visitada na Nazaré. Terra com tradição piscatória e turística. Mas sem qualquer passado ou presente relacionado com o basquetebol.
Foi num pavilhão moderno e funcional, mas desoladoramente despido de público que, na tarde fria de 10 de Novembro de 2001, presenciei o Leiria Basket-FCB, jornada sete da 7ª edição da Liga TMN. Empertigado pela entrada do novo treinador João Moutinho, o Leiria Basket com três atletas ex-FC Porto (Rui Santos, Raul Santos e João Rocha) e um poste norte-americano poderoso na luta das tabelas (Allen Ledbetter), vendeu cara a derrota perante a nossa equipa, claramente melhor apetrechada. Foi nos segundos finais que o FCB obteve a vitória, por margem tangencial, que em basquetebol é sempre dramática para quem perde e vibrantemente comemorada por quem a alcança.
Coincidente com o apito final, vejo Alexey Carvalho estendido e inerte no solo. Pensei na altura que se tivesse lesionado, com gravidade. Como estava na primeira fila da bancada, ao nível do recinto de jogo e sem qualquer limitação de acesso, corri a socorrer o atleta brasileiro. Puro engano! Alexey não estava lesionado. Simplesmente emocionado pela vitória que ajudara a conquistar. Ao percebê-lo, abracei-o e disse: “Foi à Barreirense!”.

O projecto Leiria Basket teve vida efémera. Como antes e depois sucedeu com outros mais: Montijo Basket, Gaia, Santarém Basket e Aveiro Basket. Pouca consistência, planeamento ineficaz, aventureirismo, escassez de recursos humanos e de massa crítica, foram factores determinantes para o insucesso daqueles clubes.
No presente, pode com toda a propriedade falar-se de uma crise no desporto profissional em Portugal. Não uma crise de crescimento, mas pelo contrário de definhamento. De abandonos sucessivos. De que o exemplo mais recente, grave e ridículo, foi a deserção do Benfica – primeiro classificado no ranking nacional da modalidade – da Liga Profissional. E que se junta a outros, também recentes, de clubes com resultados assinaláveis: Portugal Telecom, Seixal, Oliveirense e Queluz.
Em ano de participação, surpreendentemente positiva, no Campeonato da Europa – que acompanhei na primeira fase, disputada em Sevilha de 3 a 5 de Setembro de 2007 –, o futuro próximo do basquetebol profissional português parece, paradoxalmente, muito nebuloso. Exige-se ponderação, realismo, bom-senso e diálogo entre os diversos agentes e responsáveis da modalidade. Ainda não é tarde…
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E… por um se perde

Playoff de apuramento do título de campeão da Liga TMN 2003/2004. Queluz, 4 de Maio de 2004. Quinto e decisivo jogo dos quartos-de-final. Cerca de três centenas de adeptos Barreirenses deslocaram-se ao Pavilhão Henrique Miranda. Na bancada, António Pires, atleta internacional, ex-base da equipa sénior, estudante de medicina, e à época atleta da equipa de sub-18, liderou uma claque ruidosa, alegre e disciplinada. Os cânticos ‘alvi-rubros’ ecoaram pelo recinto – antes, durante e no final do desafio.
José Luís Damas substituíra no início da temporada o histórico Francisco Cabrita, técnico principal ao longo de dez temporadas. João Betinho Gomes cumpria a sua primeira época sénior e Miguel Minhava estava em pleno processo evolutivo e de afirmação na alta competição. Os norte-americanos Tiray Pearson e Ronnie McCollum, revelavam-se excelentes praticantes e profissionais, bem acompanhados pelos utilitários Dusan Macura (sérvio) e Juan Farina (espanhol).
Última posse de bola no desafio. Pertença do Queluz. Escassos sete segundos para jogar. Vantagem de dois pontos para o FCB. Rápida transição do base Armando Costa e triplo mortífero de Francisco Rodrigues. Desespero nas nossas hostes. Consternação, desalento, raiva. Um sonho lindo que se desvaneceu em vorazes segundos. Lágrimas em alguns olhos. Vi, pela primeira vez, Edson Silva chorar.

Um ano depois, fomos nós que chorámos por Edson Silva, secretário técnico do basquetebol do FCB.
De férias, junto às margens do Douro, fui informado do súbito internamento do Edson e da necessidade de realização de um cateterismo cardíaco urgente no Hospital Garcia de Orta. O exame correu bem, Edson regressou ao Hospital de Nossa Senhora do Rosário, na sua terra adoptiva, e teve alta pouco depois. No dia de regresso de férias, junto à área de serviço de Antuã, recebo um SMS de António Libório, então colaborador da Secção e actual responsável máximo do Barreirense Basket, anunciando a morte do nosso amigo e companheiro.
Edson foi justamente lembrado e homenageado na Gala de Apresentação da temporada 2005/2006. E nas Final Four de sub-20 que disputámos e vencemos em 2006 e 2007, respectivamente em Paços de Ferreira e no Barreiro, o Edson esteve presente no momento da consagração, com uma shirt branca com a sua imagem impressa, rodeado em silêncio por todos os membros da equipa.
Na Barreirense Basket de Março de 2006 (Ano II - Nº1) dediquei-lhe o seguinte texto:

Até Sempre, Edson!
O Barreirense ficou mais pobre!
Há aproximadamente seis meses, o 24 de Agosto de 2005 foi para todos nós, Barreirenses em particular, um dia de tristeza e luto, pelo desaparecimento inesperado, doloroso e brutal, de um nossos membros mais devotados, sérios e lutadores.
Edson Silva, antigo atleta e treinador de basquetebol, desempenhava desde há alguns anos a tarefa, estimulante mas exigente, de secretário administrativo da Secção de Basquetebol do FC Barreirense. Responsável por essa importante área do basquetebol profissional do clube, o Edson foi, desde a nossa admissão na Liga de Clubes de Basquetebol em 2000, um elemento fundamental no projecto de afirmação e relançamento da modalidade no clube. A competência, dedicação, simplicidade e honestidade que revelou em todos os momentos, granjearam-lhe enorme simpatia e consideração entre os seus companheiros e amigos Barreirenses, mas também por todos os diversos sectores e entidades da modalidade.
O elevado número de mensagens de condolências chegadas ao FC Barreirense e a presença de muitas centenas de familiares e amigos nas cerimónias fúnebres, desenroladas na Capela da Misericórdia e no Cemitério da Vila Chã, foram o testemunho inequívoco do pesar que a sua morte representou.
O Edson deixou-nos na juventude e pujança dos seus 40 anos, quando se perspectivava o reinício de mais uma época competitiva, onde voltaria a desempenhar as suas relevantes funções com redobrada energia, alegria e desportivismo.
O FC Barreirense renova à família enlutada as mais sentidas condolências, acompanhando-a na dor de ver partir tão repentina e precocemente o nosso companheiro de todos os dias.
Obrigado Edson!
Até sempre, Edson!

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Regresso à Ilha

Regressei à Ilha da Madeira em finais de Setembro de 2002, desta feita para apoiar a equipa de basquetebol. Desde a entrada na Liga Profissional que vinha acompanhando, com o meu filho Ricardo, a quase totalidade dos jogos do FCB pelo continente. Resolvemos viajar à ilha colonizada a partir de 1419 por João Gonçalves Zarco e outros navegadores.
No final da tarde de dia 26 (sexta-feira, antevéspera do jogo com o CAB Madeira), chegámos ao novo e moderno Aeroporto do Funchal, interessante e complexa obra pública de engenharia. Chuva copiosa, quase torrencial, acompanhou-nos no percurso até ao hotel, onde uma acolhedora piscina coberta permitiu um agradável e relaxante banho. Normalizado o clima, partimos no dia seguinte à conquista da Madeira. O regresso a Porto Moniz, ao Machico e a outros locais mais anódinos, mas muito belos, constituiu uma antecâmara agradável para um domingo de sucesso.
Foi, com efeito, uma grande vitória. Num pavilhão simpático, mas modesto, perante escassas dezenas de espectadores, eu e o Ricardo fomos os únicos adeptos que acompanharam a comitiva Barreirense. Sentados na primeira fila da bancada, dispersámos uma bandeira do FCB no espaço contíguo, o que pareceu surpreender alguns adeptos do CAB. Apesar do início menos conseguido, com um primeiro período em que a diferença negativa para as nossas cores se cifrou em nove pontos, o FCB recompôs-se e terá beneficiado de algum excesso de confiança da equipa treinada por Jorge Fernandes que, apetrechada com dois norte-americanos, dois jugoslavos e dois espanhóis, parecia teoricamente mais apta para alcançar a vitória. Foi uma segunda parte demolidora do FCB, com destaque para as prestações de Jorge Ramos, Miguel Minhava, Gerson Monteiro, David Kruse, Darius Dimavicius e Ian Stanback. No final, um justo triunfo (91-97) deu azo a momentos de grande alegria. De forma simpática, José Manuel Tenório, responsável pelo basquetebol sénior, chamou-nos para, com todo o grupo, saudar a vitória e gritar em uníssono “Barreirense!”.
A visita à ilha demonstrara-me, mais uma vez, uma pujança e uma imagem de progresso, que apesar de alicerçada num responsável político com um perfil muito peculiar e uma concepção muito discutível de exercício de poder e de (des)respeito pela democracia, não deixou de me surpreender pela positiva.
Regressámos ao continente na noite de domingo. A concentração de equipas das modalidades mais diversas emprestou ao Aeroporto do Funchal um cunho particular e colorido, com rostos mais ou felizes. Nós, vencedores, viemos radiantes!
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[Excerto do Capítulo III - Viagens na minha terra
Livro PROVA DeVIDA - Estórias e memórias do meu Barreirense]
(continua)